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O fim dos processos sumários nos crimes com pena superior a cinco anos de prisão
A propósito da recente decisão do Tribunal Constitucional, que declara a “inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 381.º, n.º1, do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pela Lei 20/2013, de 21 de Fevereiro, na interpretação segundo a qual o processo sumário aí previsto é aplicável a crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável é superior a cinco anos de prisão, por violação do art. 31.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição", partilhamos artigo sumariado, da autoria da Dr. Cristina Pacheco Rodruigues, sobre este importante tema.

Acórdão n.º 174/2014 do Tribunal Constitucional
 
Declara a “inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 381.º, n.º1, do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pela Lei 20/2013, de 21 de Fevereiro, na interpretação segundo a qual o processo sumário aí previsto é aplicável a crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável é superior a cinco anos de prisão, por violação do art. 31.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição.”  
 
A Lei 20/2013, de 21 de Fevereiro que entrou em vigor a 23 de Março de 2013 introduziu alterações ao CPP, entre as quais se verificou uma alteração ao artigo 381.º daquele diploma. A referida alteração permitiu que o processo sumário fosse aplicável a crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável fosse superior a cinco anos de prisão. 
 
De imediato verificamos que a referida disposição legal pode entrar em contradição com a ratio dos os artigos 14.º e 16.º, também do CPP. 
 
Senão veja-se. Segundo o artigo 14.º do CPP, é ao tribunal singular que cabe apreciar os processos que respeitem a crimes que devam ser julgados em processo sumário, sendo que serão sempre julgados dessa forma os detidos em flagrante delito, independentemente da pena eventualmente aplicável. Ao passo que,  segundo o art. 16.º do CPP, ao tribunal colectivo caberá o julgamento dos crimes cuja pena máxima aplicável, seja abstractamente superior a cinco anos e, desde que, não se trate de processos relativos a flagrante delito. 
 
O que, salvo o devido respeito, não é de todo aceitável. Ora se o legislador considerou que determinados crimes, devido à sua natureza deveriam ser julgados em processo comum e por um júri colectivo, por esta ser a forma que melhor salvaguardava os direitos dos arguidos, então, não podemos agora aceitar que no caso de o agente ser apanhado em flagrante delito se possibilite o seu julgamento em processo sumário!
De facto, é nosso entender que desta forma não estão asseguradas as garantias de defesa dos arguidos, consagradas no artigo 32.º, n.º1 e n.º2, da CRP. 
 
Ora dispõe aquele artigo, no n.º1 que “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”. Por sua vez, Gomes Canotilho em anotação ao mesmo artigo in CRP Anotada, vol. I, 4ª Edição, página 516, refere que a expressão “todas as garantias de defesa” engloba todos os instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação, desta forma minimizando-se a designada desigualdade de armas entre a acusação e a defesa do arguido. Na verdade, segundo a interpretação ora em discussão, o arguido cuja pena seja abstractamente superior a cinco anos é presente ao juiz até 48 horas após a sua detenção, não lhe sendo possível preparar defesa convenientemente, bem como é-lhe lhe limitado o direito de escolher o seu defensor, já que o arguido não tem sequer tempo para se informar sobre os seus direitos, ou sobre quem será a pessoa ideal para o representar. Acresce que, mesmo o agente apanhado em flagrante delito faz uso da prerrogativa do in dúbio pro reo, apesar das evidências aparentes, muitas vezes as coisas não são o que parecem e, por isso, não pode o legislador agir como se aquele que foi apanhado em flagrante delito merecesse menos tutela do que o agente que não o tenha sido. 
 
Assim, segundo aquela interpretação, o artigo 381º, nº 1, do CPP, elimina o critério quantitativo, anteriormente aplicado, que definia a exclusão da aplicação desta forma de processo aos crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável fosse superior a cinco anos de prisão. 
 
O que implica também restrições ao nível da possibilidade de recurso já que não há recurso para o STJ das decisões condenatórias do juiz singular ainda que apliquem pena de prisão superior a cinco anos (o que não se verifica nos acórdãos finais proferidos por tribunal de júri e tribunal colectivo). Esta situação claramente levanta questões de desigualdade entre os arguidos que sejam julgados em processo sumário e em processo comum, cuja pena abstractamente aplicável seja superior aos cinco anos. 
Por outro lado, é amplamente aceite na doutrina que o direito de recurso integra o núcleo essencial das garantias de defesa constitucionalmente consagradas, as quais desta forma ficam vedadas ao arguido. 
 
É verdade que o princípio da aceleração processual, também constitui uma garantia para o arguido, contudo no âmbito do direito penal, como noutros, surgem recorrentemente fenómenos de colisão de direitos. Estes devem ser resolvidos de acordo com um método de  concordância prática: “que impõe a ponderação de todos os valores constitucionais aplicáveis, para que não se ignore algum deles, para que a Constituição (...) seja preservada na maior medida possível”. É o que acontece neste caso.  Assim, estamos perante um conflito de direito entre o princípio da celeridade e as garantias de defesa do arguido e, é necessário verificar qual deve prevalecer. 
 
De facto, com a nova redacção, o princípio da aceleração processual não é compatível com as garantias de defesa do arguido, o que em nossa opinião não é aceitável, havendo por isso que concordar com a decisão do Tribunal Constitucional, quando refere que “o principio da aceleração processual tem que ser compatível com as garantias de defesa, o que implica a proibição do sacrifício dos direitos inerentes ao estatuto processual do arguido a pretexto da necessidade de uma justiça célere e eficaz.”
 
Terminamos por isso, com as palavras exactas do douto Acórdão, que refere “A solução legal mostra-se, por isso, violadora das garantias de defesa do arguido, tal como consagradas no art. 32-º, n.ºs 1 e 2, da Constituição”, acabando por concluir pela inscontitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 381.º, n.º1, do Código de Processo Penal, quando interpretada de forma a que possibilite que o processo sumário seja aplicável a crimes cuja pena abstractamente aplicável seja superior a cinco anos de prisão.