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Ensaio sobre modelos e técnicas de articular
Será que poderíamos desenvolver uma “teoria geral do articulado”? Ou melhor, será que o aperfeiçoamento de mapas mentais e modelos de procedimentos não melhorarão os resultados pretendidos nas peças e requerimentos?

Esta é uma reflexão que há uns anos serviu de base a um projecto de formação interactiva apelidado “Simulador de Articulados” que foi por mim desenhado e realizado em sucessivas edições e com diferentes tutores no Centro de Formação Online da Ordem dos Advogados.

O objectivo do projecto formativo era colocar aos formandos casos práticos “reais” e propor-lhes a criação das peças processuais adequadas aos assuntos dos clientes virtuais apresentados e, num momento posterior, reagir – com adequada peça processual – ao peticionado.

Na base deste projecto está uma ideia firmada de que a criação de articulados pode e deve obedecer a regras e, mais do que isso, pode e deve ter por base um mapa mental, um esquema, um modelo.

Neste sentido partilho um primeiro esboço do que designei “Modelo Para Articular”.

Modelo para Articular

Este modelo corresponde a um esquema de questões transversais à maioria das peças processuais criadas por Advogados no âmbito de processos judiciais.

Para uma melhor compreensão e alcance da utilidade deste modelo, imaginemos que estamos perante um cliente que nos apresenta uma situação e queremos recolher o máximo de informação de forma imediata ou não esquecer de solicitar logo certos elementos ou estabelecer logo uma série de metas ou questões que devem ser analisadas.

Este modelo tem para mim especial utilidade e por isso compartilho para que possam, de igual modo, retirar resultados na vossa prática forense.

Sendo um modelo em criação e reflexão contínua, estarei receptivo e ficarei honrado com os contributos, críticas e sugestões que entendam conveniente.


Associo ao modelo um breve ensaio ou nota sobre aquilo que poderá ser a base da “teoria geral do articulado”.
 
Definição de articulado; o articulado enquanto fase.

Dá-se o nome de “articulados” às peças escritas pelas quais as partes introduzem a lide, expondo os fundamentos da acção e da defesa, e formulando os pedidos correspondentes (art. 151º/1 CPC), resultando a designação legal do facto de que quer os fundamentos fácticos do autor quer os do réu devem ser deduzidos separadamente por artigos numerados, i.e.: sob a forma de proposições gramaticais seguidas e numeradas, à semelhança dos textos legais – cfr. art. 151º/2 CPC.

O articulado corresponde assim ao arrazoado das partes, mas submetido a limitações formais, como seja (o mais óbvio) apresentar a peça por artigos.

Para além do articulado “peça processual das partes”, o termo designa também a primeira de cinco fases do processo, sendo as demais o saneamento e a condensação do processo, a instrução, a discussão e julgamento da lide (fase da audiência final), e a sentença.

Mas constitui também, e sobretudo, a par dos requerimentos e respectivas respostas, e das alegações e respectivas contra-alegações, um acto processual das partes.

Ideias a reter:

- O articulado como um “arrazoado” das partes, estruturado por artigos;
- O articulado como uma fase processual;
- O articulado como uma peça processual das partes.

Obrigação de articular e casos de dispensa de dedução por artigos.

Como determina o art. 151º/2 CPC, a dedução dos factos sob a forma articulada só é obrigatória em relação a matéria que, como sucede nos processos ordinário e sumário, possa ser levada à agora chamada base instrutória, ocorrendo como regra nas acções declarativas, executivas, incidentes e procedimentos cautelares, e ainda relativamente aos factos que interessem à fundamentação do pedido (do autor ou da reconvenção do réu) ou da defesa (do réu ou do autor em relação ao pedido reconvencional).

Contudo, a boa técnica processual aconselha a sua utilização mesmo naqueles casos não obrigatórios de dedução da forma articulada (ex.: em processo sumaríssimo – cfr. artigos 793º/794º CPC).

Para além da dispensa de articular em processo sumaríssimo, constituem casos de dispensa de dedução por artigos as chamadas alegações de direito (art. 657º CPC) e as alegações de recurso.

Requisitos dos articulados.

Os articulados devem:

- Ser redigidos em língua portuguesa (art.s 139º/1 e 474º/f) CPC);
- Ter a assinatura da parte ou do mandatário judicial (art. 474º/e) CPC).

Uma regra que se desactualizou com o evoluir dos tempos e em particular com a introdução das novas tecnologias:

O art. 2º do DL 435/86, de 31.12, na redacção que lhe deu o artigo único do DL 2/88, de 14.01, determina como segue:

a) O papel utilizado pode ser azul de 25 linhas, ou branco liso, de formato A4 (art. 2º/1);
b) Em caso de utilização do papel branco, cada lauda não deverá conter mais de 25 linhas e devem ser respeitadas margens com cerca de 3cm e 1cm, respectivamente no lado esquerdo e direito da frente, com correspondência simétrica no verso (quando se utilize frente e verso da folha) (art. 2º/2).

Tempo de apresentação.

O prazo geral para a prática dos actos das partes é de 10 dias, na falta de disposição especial e quando o juiz não fixe expressamente determinado prazo, de acordo com o art. 153º CPC.

Princípios processuais aplicáveis aos articulados:

Princípio do dispositivo: Art. 264º CPC
a) O processo só se inicia mediante impulso da parte que apresenta a p.i. (cfr. art. 3º/1  CPC);
b) Cabe às partes a definição do objecto do processo;
c) Podem as partes pôr termo ao processo, mediante desistência da instância, e determinar o conteúdo da sentença de mérito (mediante confissão do pedido, transacção e desistência);
d) O processo restringe-se aos factos alegados pelas partes, estando vedado ao juiz proceder à indagação autónoma da verdade material.

Ressalva para a restrição constante do art. 508º CPC, por força da qual o juiz pode/deve convidar as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento do vício, mediante despacho dito de aperfeiçoamento, por forma a impedir que o conhecimento do mérito da causa ou da justa composição do litígio sejam prejudicados por razões de pura forma.

Princípio do Contraditório: Art. 3º CPC
Este princípio visa garantir que cada uma das partes tenha a possibilidade de contestar e controlar a actividade jus-processual da contraparte, concedendo-lhe o direito de contradizer e fiscalizar as afirmações e actos da parte contrária, só podendo o tribunal decidir depois de ambas as partes se pronunciarem sobre a questão a decidir, sempre com vista à descoberta da verdade material.

Por se revelar de importância fundamental e tendente a evitar decisões-surpresa, chama-se a atenção para o art. 3º/3 CPC.

Chama-se igualmente a atenção para o facto de que a violação do princípio do contraditório constitui nulidade processual susceptível de influir no exame da causa, seguindo o regime previsto no art. 201º CPC.

“Como articular”.

O saber articular é um dos factores mais importantes para o vencimento de uma acção ou para a contestação da sua procedência.

O Conselheiro Campos Costa elenca as seguintes regras para uma correcta articulação:
a) A matéria de facto deve ser descrita por ordem cronológica;
b) Apenas por uma única vez;
c) Cada artigo deve inserir uma oração gramatical completa (sujeito, predicado, complemento directo e, já agora, ponto final);
d) Cada artigo deve abarcar em regra uma única oração;
e) A descrição dos factos não deve ser acompanhada de adjectivos, comentários ou expressões que não podem ser objecto de prova;
f) Podem ser utilizadas palavras ou expressões destinadas a ligar os artigos entre si, embora não sejam indispensáveis .

Dever de recíproca correcção: Art. 266º-B/2 CPC
Todos os intervenientes no processo devem agir em conformidade com um dever de recíproca correcção, pautando-se as relações entre advogados e magistrados por um especial dever de urbanidade.

Nenhuma das partes deve usar, nos seus escritos ou alegações orais, expressões desnecessária ou injustificadamente ofensivas da honra ou do bom nome da outra, ou do respeito devido às instituições.

Má fé processual: Art. 456º CPC
A má fé processual traduz-se na violação do dever de probidade que o art. 266º-A CPC impõe às partes: dever de não formular pedidos injustos, não articular factos contrários à verdade e não requerer diligências meramente dilatórias.

Resulta do art. 456/2 CPC que para a litigância de má fé não basta a constatação de um dos comportamentos indiciadores de tal litigância acolhidos nas quatro alíneas do preceito; é indispensável ainda que a parte tenha actuado com dolo ou negligência grave, devendo o procedimento temerário, e portanto negligente, ser suficientemente grave para justificar a condenação da parte como litigante de má fé.

Não será de concluir pela existência de má fé processual quando o comportamento processual da parte, embora se aproxime do uso reprovável dos meios processuais ao seu dispor, não permite vislumbrar a sua verdadeira finalidade.

Os articulados e o juiz: o art. 508º CPC.
Com o art. 508º CPC, na redacção do DL 329-A/95, de 12.12, criou-se uma fase de despacho pré-saneador, logo após os articulados, destinada a impedir que o conhecimento do mérito da causa ou da justa composição do litígio sejam prejudicados por razões de pura forma, fase essa traduzida num despacho de aperfeiçoamento, o qual é irrecorrível (art. 508º/6 CPC).

Esta fase desdobra-se num despacho vinculado (art. 508º/2 CPC) e num despacho não vinculado (art. 508º/3 CPC), sendo que no caso do art. 508º/2 CPC, a omissão desse despacho (por tratar-se de um dever imposto ao juiz) constitui nulidade processual nos termos do art. 201º CPC se tal irregularidade for susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, não acarretando todavia qualquer nulidade ou sanção a omissão do disposto no art. 508º/3 CPC, porquanto – atenta esta não vinculação – a não prolação deste despacho constitui uma faculdade do juiz, que não já um dever.

O juiz pode/deve convidar as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento do vício, desde logo quando:
a) O articulado careça de requisitos legais;
b) A parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento dos autos;
c) Ocorram insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada .

Aceitando a parte o convite para que foi notificada e aperfeiçoando o articulado defeituoso, haverá lugar ao contraditório, dispondo a parte contrária de 10 dias após notificação das correcções ou esclarecimentos prestados após convite (cfr. art. 508º/4 CPC).

A lei não fixa qualquer consequência processual para o incumprimento do despacho de convite ao aperfeiçoamento, pelo que cada causa para o convite deve ser analisada pelo juiz em sede de despacho saneador, com conhecimento da respectiva excepção, nulidade ou omissão, incluindo a respectiva consequência, designadamente o conhecimento de mérito da causa.

Conclusões.

Um dos factores mais importantes para o vencimento de uma acção ou para contestar uma determinada pretensão consiste em saber articular.
 
Sendo os articulados as peças em que as partes expõem os fundamentos da acção e da defesa e fundamentam os pedidos correspondentes (art. 151º CPC), há que retirar-se da definição legal que os articulados curam ou deveriam curar apenas de factos, devendo as partes evitar tecer comentários, formular conclusões ou utilizar conceitos de direito.

Na verdade, não carecem as partes de articular de “direito”, devendo mesmo evitá-lo, porquanto o juiz não está vinculado ao direito alegado pelas partes (art. 664º CPC): as partes podem invocar o direito “errado”, ou não invocar direito nenhum porque, desde que observado o contraditório prévio, “ex” art. 3º/3 CPC, o juiz é obrigado a aplicar o direito, e o direito “certo”, sob pena de nulidade da sentença (art. 668º/b e c) CPC).

Bibliografia:
a) Antunes Varela, J.Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985;
b) M.Teixeira de Sousa, “Estudos sobre o novo processo civil”, 2ª ed., Lex, Lisboa, 1997;
c) Américo Campos Costa, “A melhor das reformas da justiça cível”, in Boletim da Ordem dos Advogados, 6/99, Nov./Dez. 1999, pps. 16-22.
d) Joel Timóteo Ramos Pereira, “Prontuário de formulários e trâmites”, vol.I, reimp., QuidJuris?, Lisboa, 2002.