Portalforense | Formação e Conclusão do Contrato em Comércio Electrónico

Notícias

Ver todas ...

Formação e Conclusão do Contrato em Comércio Electrónico
A Internet, enquanto “rede das redes”, tem vindo a conhecer grandes desenvolvimentos, que se traduzem em profundas repercussões, não só no modo como os cidadãos, a título individual, passaram a interagir entre si, mas também a nível contratual e económico. Na verdade, o rápido desenvolvimento tecnológico veio permitir a modificação das tradicionais formas de relacionamento entre fornecedores, prestadores de serviços e consumidores, designadamente pela oferta de novos modelos de compra, de venda e de fornecimento de serviços à distância. Desta forma, a tecnologia da Internet tem conferido uma importância significativa não só à comunicação em sociedade, mas também ao inesquestionável desenvolvimento e alargado acesso ao mercado nacional e internacional, com custos, à partida, mais baixos.


Assim sendo, hoje em dia, é cada vez mais comum sermos confrontados com a expressão “comércio electrónico”, sendo certo que quando pensamos em comércio electrónico pensamos, de uma forma muito generalista, na realização, em princípio rápida, de transacções comerciais de bens e serviços entre empresas ou entre empresas e consumidores, a decorrer por via electrónica, ou seja, através do processamento e transmissão electrónica de dados, incluindo texto, som e imagem, e mediante a utilização de computadores mediados por redes informáticas (1). Dirão alguns que tudo está ao alcance de um “clique” num quadrado do ecrã do computador que dirá algo como “aceito” ou “concordo”, a partir de qualquer lugar do mundo e a qualquer hora do dia!
Não obstante as inúmeras vantagens que a Internet pode ter, nomeadamente pela sua dinâmica, variedade e quantidade de oferta, facilidade (para alguns) e rapidez de acesso e aquisição, a verdade é que este tipo de relações comerciais são ainda, nos dias de hoje, esporádicas ou descontinuadas, sobretudo pelos grandes obstáculos que a Internet ainda coloca. Obstáculos esses alicerçados quer na desconfiança e receio naturais, nomeadamente quanto à colocação de dados pessoais do consumidor na Internet e às formas de pagamento (2), quer mesmo de natureza tecnológica (3).
Concluida que está esta pequena introdução, cujo objectivo foi o de enquadrar, de forma muito breve, a questão que será alvo de abordagem nesta exposição, centraremo-nos, agora, no ponto que consideramos mais pertinente: as especificidades do contrato electrónico, nomeadamente quanto à formação e conclusão do contrato realizado através da Internet.
Nas “sociedades de consumo”, os consumidores são, enquanto tal e em termos gerais, considerados como a parte contratual mais fraca e inferior. Atente-se, a título de exemplo, nos fantásticos métodos publicitários utilizados pelos diversos fornecedores que criam, no consumidor, uma “falsa” necessidade, difícil de resistir, de adquirir determinado produto. Aliás, são esses métodos publicitários que conduzem, muitas vezes, os consumidores a procurar e observar o sítio na Internet de um determinado fornecedor, em que são divulgados para venda bens ou serviços. Não obstante, a verdade é que a contratação electrónica suscita uma série de dúvidas para os seus utilizadores e é neste sentido que a questão se impõe: em que momento se consideram celebrados estes contratos? A determinação do momento em que se tem celebrado um contrato entre presentes não parece suscitar grandes dúvidas. Como escreve ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO “os contratos resultam do encontro de duas vontades, através duma proposta e da sua aceitação” (4). E “existe aceitação se a parte a quem foi dirigida a proposta contratual (…) manifestar, em tempo, absoluta concordância com a proposta feita, dirigindo a sua declaração de contade ao proponente (…)” (5). Sucede que, na celebração dos contratos por via da Internet existem dificuldades acrescidas para determinar o momento da sua perfeição (6).
O comércio electrónico está, especialmente, regulado pelo Decreto-Lei nº 7/2004, de 7 de Janeiro (7), o qual transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Directiva nº 2000/31/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno.
Tal como temos vindo a referir, os contratos celebrados pela Internet exigem, desde logo, uma página na Web, através da qual um fornecedor declara a sua intenção de vender bens ou prestar certos serviços. Essa página na Web deve conter os chamados dispositivos de identificação e correcção de erros estabelecidos no artigo 27º do mencionado DL (8), bem como a informação prévia exigida pelo artigo 28º .(9)
Posteriormente ao acesso à página Web, bem como à informação disponível, o consumidor poderá decidir por contratar, e se for esse o caso, então a sua vontade será exteriorizada mediante o acto a que o artigo 29º designa de “encomenda”. Ora, logo que o titular da página Web receba uma ordem de encomenda por via electrónica deve, nos termos do disposto no artigo 29º, nº 1, acusar a recepção da mesma, também por meios electrónicos (10). Este aviso de recepção tem por destinatário o autor da encomenda e é enviada para “o endereço electrónico que foi indicado ou utilizado” por aquele (art. 29º, nº 4), devendo ser transmitida de forma a que seja permitido o seu armazenamento e reprodução (art. 31º, nº 1) (11). Quer a encomenda, como o aviso de recepção (e, ainda, a confirmação da encomenda que trataremos mais à frente) se “consideram recebidos logo que os destinatários têm a possibilidade de aceder a ele” (art. 31º, nº 2).
 Ao aviso de recepção da encomenda segue-se a confirmação da ordem de encomenda, por parte do seu responsável, de forma a reiterar a ordem emitida, segundo o que se estabelece o artigo 29º, nº 5. Nos termos deste normativo, a encomenda só se tornará definitiva com a confirmação do seu autor. Refira-se, porém, que não existe consenso na doutrina portuguesa quanto a esta questão.
Autores, como SUSANA LARISMA (12), recusam atribuir valor constitutivo do negócio, quer ao aviso de recepção, quer à confirmação: o aviso de recepção e a confirmação seriam deveres contratuais posteriores à celebração do contrato, justificados pelas características do meio tecnológico em causa. Uma segunda corrente doutrinal reconduz o aviso de recepção ao cumprimento de uma obrigação e vê a questão da confirmação da encomenda como pressuposto legal necessário para a eficácia, mas não à formação do negócio (13). Por último, uma terceira doutrina, onde encontramos ANA PAULA COSTA SILVA, considera que o contrato só estará concluído com a confirmação da ordem de encomenda (14).
A denominada “oferta em rede ou em linha” pode revestir natureza de proposta ou de convite a contratar (15), sendo certo que, nos termos do preceituado no artigo 32º, nº 1, “será uma proposta quando contiver todos os elementos necessários para que o contrato fique concluído com a simples aceitação do destinatário, representando, caso contrário, um convite a contratar”. O mesmo artigo, agora no seu nº 2, esclarece que “o mero aviso de recepção da ordem de encomenda não tem significado para a determinação do momento da conclusão do contrato” (16). Por via deste preceito concluimos que o legislador não quis atribuir ao aviso de recepção a função de aceitação da proposta e, neste sentido, arriscamos afirmar que o legislador português procurou dar mais protecção aos consumidores ao estabelecer que, enquanto faltar a confirmação do destinatário dada na sequência do aviso de recepção, a encomenda não se considera definitiva. A sua falta suspende o processo.
A regra estabelecida pelo art. 29º, nº 5 DL não foi imposta ao nosso legislador pela Directiva Comunitária. Em bom abono da verdade, a Directiva regula apenas o aviso de recepção, primeiro como dever do fornecedor e, depois, na qualidade de acto receptício, determina o momento da sua recepção. Porém, uma das versões iniciais de proposta desta Directiva (17) elencava no artigo 11º, nº 1, e passamos a citar, que “o contrato encontra-se celebrado quando o destinatário do serviço: tiver recebido do prestador, por via electrónica, o aviso de recepção da aceitação pelo destinatário do serviço e tiver confirmado a recepção desse aviso (…)”. Note-se que esta norma visava instituir um regime próximo daquele que veio a ser, efectivamente, adoptado pelo legislador português. De referir que a adopção, pelo nosso legislador, do regime que constava da proposta inicial da Directiva merece, quanto a nós, os devidos aplausos, isto porque no comércio electrónico os contratos são realizados, inúmeras vezes, de forma quase inconsiderada por parte dos consumidores. Foi precisamente essa impulsividade, a ilusão “cega” que se cria, que o legislador procurou prevenir ao introduzir mais um “passo” na formação e conclusão dos contratos on-line. O tempo que separa a ordem de encomenda e a sua confirmação poderá ser o suficiente e necessário para que o consumidor conclua pela sua falta de vontade em efectivar determinada transacção. Dirão alguns que “a confirmação não traz nada de novo, com a agravante de tornar mais complexo um processo contratual que se pretende simples” (18). Com o devido respeito, não nos parece ser de aceitar tal posição. Na LCE, o aviso de recepção tem a função de dar conhecimento àquele que realizou a encomenda que, de facto, a sua ordem de encomenda foi recebida pelo fornecedor e, assim sendo, tem natureza de declaração de conhecimento e não de declaração de vontade negocial.
Uma última e breve nota, a título de curiosidade, acerca da regulação desta matéria noutros Estados-Membros. Em França, por exemplo, a Lei define as condições que envolvem a confirmação da aceitação da oferta, sob pena de invalidade do contrato, ou seja, a confirmação da aceitação deve ocorrer posteriormente ao facto de o consumidor ter tido a possibilidade de verificar os pormenores da sua encomenda, incluindo o preço a pagar, bem como a possibilidade de corrigir possíveis erros. Por sua vez, a Lei portuguesa parece não descrever os pressupostos que antecedem o acto de confirmação e omite aspectos de natureza substantiva que o possam limitar. Ao dispôr a confirmação da ordem de encomenda depois do aviso de recepção, e com relevância para o conteúdo, apenas declara que a confirmação se faz “reiterando a ordem emitida”. Não obstante, a verdade é que nos dois sistemas jurídicos, como em muitos outros, o acto de confirmação é indispensável para tornar a encomenda definitiva.

 

1 De acordo com o tipo de intervenientes envolvidos nas transacções, no comércio electrónico reconhecem-se quatro tipos de comércio electrónico principais: Business-to-Business (B2B), Business-to-Consumer (B2C), Business-to-Administration (B2A) e Consumer-to-Administration (C2A). Importa, no entanto, salientar que nesta pequena exposição iremos restringir-nos à relação entre o fornecedor e o consumidor final (B2B).
2 Frequentemente, ao consumidor é solicitado o pagamento antecipado, assim como lhe pode ser pedido que transmita o número do seu cartão de crédito, de modo a proceder-se ao pagamento.
3 Uma outra objecção, que importa referir, para que o comércio electrónico não tenha tido, ainda, a adesão que os seus entusiastas esperavam relaciona-se sobretudo com o facto de a utilização da Internet não favorecer o contacto físico entre as partes e entre o consumidor e o produto que pretende adquirir.
4 CORDEIRO, António Menezes. Teoria Geral do Direito Civil, 1º Vol., 2ª Edição, AAFDL, Lisboa, 1992, pg. 506.
5 TELLES, Inocêncio Galvão. Manual dos Contratos em Geral, 3ª Edição, Lisboa, 1965, pg. 202.
6 Note-se que este problema coloca-se, não só nos contratos celebrados com o uso da Internet, mas também nos contratos celebrados à distância. O regime geral dos contratos celebrados à distância aplicado aos consumidores encontra-se regulado no DL nº 143/2001 de 26 de Abril, alterado pelo DL nº 82/2008 de 20 de Maio.
7 “Lei do comércio electrónico – LCE”.
8 A título de exemplo, referimos as janelas de confirmação que permitem ao consumidor verificar, antes de ser formulada a ordem de encomenda, qual o conteúdo desta.
9 Por força desta norma, ao abrir a página na Internet de uma loja virtual, os consumidores são informados sobre os procedimentos a seguir para celebrar um contrato. Além do mais, a efectiva disponbilização destas informações garante não só o cumprimento do princípio da transparência, bem como a tutela dos contraentes. Relativamente a esta questão, o nosso legislador seguiu de perto as orientações dos artigos 10º, nº 1 e 2 e 11º, nº 2 da Directiva.
10 Só assim não será se existir acordo em contráriocom a outra parte, sendo certo que esta não poderá ser um consumidor (artigo 29º, nº 1, parte final), uma vez que o legislador entendeu que apenas os consumidores carecem da protecção imperativa da Lei (esta ideia vale também para o disposto no art. 28º do mesmo Diploma). Importa, ainda, referir que, nos termos do disposto nº 2 do artigo em causa “é dispensado o aviso de recepção da encomenda nos casos em que há a imediata prestação em linha do produto ou serviço”. Significa isto que a Internet possibilita a celebração de negócios que se concluem quase que de forma instantânea.
11 Deste preceito se conclui a relevância que esta comunicação poderá ter como meio de prova.
12 LARISMA, Susana. “Contratação Electrónica” in O Comércio Electrónico em Portugal - O Quadro Legal e o Negócio, Anacom, Lisboa, 2004, pg. 168.
13 Posição defendida na anotação ao art. 29º da Lei do Comércio Electrónico Anotada, Ministério da Justiça, Coimbra Editora, 2005, pg .118.
14 SILVA, Ana Paula da Costa. “Contratação Electrónica”, in Lei do Comércio Electrónico Anotada, Ministério da Justiça, Coimbra Editora, 2005, pg. 188.
15 Por uma questão de economia de espaço remetemos a distinção minuciosa destes dois mecanismos paraos artigos do Código Civil.
16 Sublinhado e negrito nosso.
17 Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a certos aspectos jurídicos do comércio electrónico no mercado interno (1999/C 30/04), publicado em apêndice a PEREIRA, Alexandre Libório Dias, Comércio Electrónico na Sociedade da Informação: da Segurança Técnica à Confiança Jurídica, Almedina, Coimbra, 1999, pg. 132.
18 LARISMA, Susana,  op. cit.,pg. 168.