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O voto fascista do homem machista: entre o ressentimento e o abandono

Há uma evidência sociológica que muitos preferem ignorar: o crescimento da extrema-direita é sustentado, em grande parte, por um eleitorado masculino, branco, e ressentido. Em Portugal, esse fenómeno manifesta-se de forma cada vez mais nítida. O voto fascista é, muitas vezes, o voto do homem que não aceita ter perdido o monopólio do espaço público, o privilégio da palavra, e o direito — tácito durante décadas — de mandar, calar e dispor.


Este homem não se revê na linguagem da igualdade. Olha para o mundo e vê-se rodeado de reivindicações que não compreende: das mulheres, dos imigrantes, da comunidade LGBTQIA+, dos jovens. Acredita que já não pode dizer o que pensa, que já não manda na sua própria casa, que já não reconhece a escola onde estudou nem o país onde nasceu. E, no silêncio da cabina de voto, vinga-se. Vota contra os outros. Contra as mulheres. Contra os pretos. Contra os gays. Contra os que ousaram tirar-lhe o centro do palco.

Importa, no entanto, acrescentar uma outra camada a esta análise: o homem branco também tem sido, em larga medida, abandonado. Empurrado para o ressentimento por políticas públicas que o trataram como garantido, como “seguro”, como alguém que não precisava de apoio nem escuta. As mulheres tiveram políticas de igualdade. As minorias, políticas de inclusão. Os jovens, programas de incentivo. Mas o homem comum, branco, de meia-idade, foi ignorado — como se o seu desconforto fosse sinal de culpa ou como se, por ter tido privilégio, não pudesse ter dor. Pior: a própria ideia de masculinidade passou a ser tratada como algo a esconder, uma vergonha, uma ameaça. E se o homem não se pode orgulhar de o ser — se a sua identidade é motivo de censura —, acaba, muitas vezes, por procurar refúgio no único espaço que lhe parece acolher essa condição: a extrema-direita.

Foi este abandono — emocional, simbólico, político — que abriu espaço para o populismo reacionário. Mas duas injustiças não fazem uma justiça. O ressentimento do homem não pode justificar a humilhação das mulheres. A dor de um grupo não pode legitimar o ataque à dignidade de outro.

E, no entanto, esse voto continua a ser perigoso. Porque não é apenas um grito de desespero: é também um ataque aos pilares da democracia. A Constituição da República Portuguesa consagra a igualdade entre homens e mulheres (art. 13.º), a dignidade da pessoa humana (art. 1.º), e a não discriminação com base no sexo, orientação sexual ou origem étnica. Quando um voto visa restringir esses direitos, estamos perante um abuso do exercício democrático — e não uma sua expressão legítima.

O Estado de Direito não pode ceder à chantagem do ressentimento. Deve compreender a origem do voto — mas não pode normalizar as suas consequências. Cabe à Justiça, ao Tribunal Constitucional, às universidades, aos juristas e aos legisladores defenderem a democracia quando ela é ameaçada por dentro.

O homem machista pode votar — é um direito que lhe assiste. Mas o Estado não pode fingir que esse voto é apenas uma opinião entre outras. Quando é um voto contra a dignidade de terceiros, fere os alicerces do próprio sistema. E é aí que o Direito tem de erguer a voz: para lembrar que a liberdade não inclui o direito de oprimir, e que o abandono de uns não se resolve com a humilhação dos outros.