A litigância de má-fé é um conceito jurídico que carece de distinção de noções similares. Assim é frequente confundir-se a responsabilidade por litigância de má-fé com o “abuso de direito” ou com “a responsabilidade civil em virtude de actos praticados no processo”.
Esclareça-se, então, que a litigância de má fé é um instituto processual que visa sancionar o uso manifestamente reprovável do processo ou de meios processuais. Ou seja, a litigância de má-fé não se destina a insurgir-se contra ofensas de posições subjectivas tuteladas pelo direito substantivo. Neste caso, devem os visados reagir nos termos da previsão legal do “abuso de direito” e da “ responsabilidade civil”.
Desvendado este ponto, analisemos o contexto jurídico em que se desenvolve a litigância de má-fé no direito processual português.
As relações jurídico-privadas devem pautar-se pelas regras da boa-fé. Ora, nesse domínio, é indispensável que exista a confiança necessária entre sujeitos jurídicos. De acordo com Baptista Machado, “o significado profundo do princípio da boa fé (do fides servare) nas relações entre os homens" determina que "a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem". E acrescenta:”[...] poder confiar é uma condição básica de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens. Mais ainda: esse poder confiar é logo condição básica da própria possibilidade da comunicação dirigida ao entendimento, ao consenso e à cooperação (logo, da paz jurídica). (cf. Tutela da Confiança e "venire contra factum proprium", in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 117º, página 232).
Ora na sequência deste pensamento, quando as partes pretendem fazer valer o seu direito em juízo devem actuar com verdade. A cada uma delas se impõe "o dever de, conscientemente, não formular pedidos ilegais, não articular factos contrários à verdade, nem requerer diligências meramente dilatórias" (cf. artigo 264º, nº 2, do Código de Processo Civil). Sendo assim sobre as partes impende, ao cabo e ao resto, um dever geral de boa fé (cf. neste sentido Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra, 1985, página 477).
Quando alguma das partes viola este dever verifica-se a litigância de má-fé: "diz-se litigante de má fé não só o que tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não ignorava, como também o que tiver conscientemente alterado a verdade dos factos ou omitido factos essenciais e o que tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal ou de entorpecer a acção da justiça, ou de impedir a descoberta da verdade" (cf. artigo 456º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Assim temos que quem fizer uma "utilização maliciosa e abusiva" do processo actua com má-fé – cf. Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1956, página 341.Ora isso acontece quando se recorre aos tribunais e se sabe de antemão que não nos assiste qualquer direito, ou por exemplo, quando se utiliza os meios processuais para fins diversos dos seus propósitos.
Todavia, convém esclarecer que a condenação em litigância de má fé, só pode suceder após a oportunidade de a parte em causa se defender, pelo que previamente, deve esta ser ouvida na obediência ao princípio do contraditório.
A lei processual civil também não esqueceu de prever quem seria o litigante de má fé quando a parte é um incapaz ou uma pessoa colectiva e, portanto, representada por alguém. Coloca-se, então, aí a questão de saber quem deverá ser condenado na litigância de má-fé: se o representante, se o representado. Nesse caso deve a responsabilidade ser assacada ao representante legal e não ao incapaz ou à pessoa colectiva - cf. artigo 458º do CPC. Nem podia ser de outra forma já que a estratégia processual adoptada é da responsabilidade dos representantes. Por isso, se agirem dolosamente (de má fé), são eles quem deve ser responsável pelo pagamento da multa, da indemnização e das custas devidas pela litigância de má fé.