A alienação parental, prática que envolve a manipulação de uma criança por um dos progenitores para rejeitar o outro, tem sido um tema de crescente debate no contexto das separações e divórcios. No entanto, para compreender verdadeiramente a sua raiz, é necessário olhar para além dos conflitos interpessoais e examinar como os sistemas sociais e políticos moldaram as dinâmicas familiares. A tese de que a alienação parental é um sobproduto do fascismo ganha relevância quando consideramos como esse regime perpetuou papéis de género rígidos, colocando as mulheres como cuidadoras submissas e os homens como figuras distantes, responsáveis apenas por tarefas "superiores".
O Papel das Mulheres na Ideologia Fascista
Nos regimes fascistas, a família era vista como a célula fundamental do Estado, mas dentro de uma estrutura hierárquica estrita. As mulheres eram exaltadas pelo seu papel como mães e cuidadoras, encarregadas da criação dos filhos e da manutenção do lar. Essa função, no entanto, não lhes conferia autonomia ou dignidade plena, mas reforçava a sua subordinação ao homem, que era visto como o chefe da família e o representante da ordem social.
A ideologia fascista promoveu a ideia de que as mulheres deviam ser "criadas do lar" e dedicarem-se exclusivamente à educação dos filhos. Este ideal foi institucionalizado, deixando marcas profundas na sociedade, mesmo após a queda desses regimes. O papel de cuidadora tornou-se, para as mulheres, um estereótipo difícil de desconstruir, especialmente em contextos de separação, onde as responsabilidades parentais são renegociadas.
A Alienação Parental e a "Liberdade" dos Homens
No contexto das separações, os resquícios dessa ideologia tornam-se evidentes. As mulheres, ainda vistas como as principais cuidadoras, muitas vezes assumem a maioria das responsabilidades parentais, enquanto os homens, culturalmente condicionados a desempenhar papéis "superiores" e afastados das tarefas domésticas, acabam sendo "libertados" de obrigações menores – uma liberdade irónica, que muitas vezes inclui o afastamento emocional e físico dos filhos.
Esta dinâmica cria terreno fértil para a alienação parental. O progenitor que detém a maior parte das responsabilidades (geralmente a mãe) pode, em situações de conflito, usar a proximidade com os filhos para manipular perceções e reforçar a dependência emocional. Por outro lado, os pais, ao se distanciarem das tarefas cotidianas de cuidado, acabam, consciente ou inconscientemente, perpetuando o estereótipo de que são figuras secundárias na vida dos filhos.
A Justiça Familiar: Reforçando Papéis de Género
A justiça familiar, por sua vez, muitas vezes reflete e reforça esses papéis estereotipados. Tribunais que tradicionalmente concedem guarda principal às mães, baseados na presunção de que elas são "naturalmente" mais aptas a cuidar dos filhos, perpetuam a ideia de que a criação é responsabilidade exclusiva das mulheres. Simultaneamente, pais que se veem dispensados de responsabilidades práticas podem aceitar ou até reforçar essa divisão, mantendo-se em papéis secundários.
Este sistema cria uma desconexão emocional e prática que pode ser explorada em dinâmicas de alienação parental, com as crianças frequentemente usadas como armas em disputas que refletem tensões mais amplas relacionadas ao poder e ao género.
O Desafio de Romper com o Passado
Reconhecer a alienação parental como um sobproduto do fascismo e dos seus papéis de género estereotipados é um passo importante para desmantelar estas dinâmicas prejudiciais. Isso exige mudanças estruturais e culturais:
1. Reeducação sobre Igualdade de Género
Promover a partilha igualitária de responsabilidades parentais antes, durante e após a separação é fundamental para desmantelar o estereótipo de que as mulheres são exclusivamente cuidadoras.
2. Revisão do Sistema Jurídico
Os tribunais devem adotar abordagens que reconheçam o valor de ambos os progenitores na criação dos filhos, evitando decisões baseadas em pressupostos ultrapassados.
3. Desconstrução Cultural
É essencial desafiar a narrativa de que os homens são "libertados" das tarefas de cuidado e promover a ideia de que a parentalidade é uma responsabilidade partilhada, com benefícios emocionais e sociais para todos os envolvidos.
Conclusão
A alienação parental não é um fenómeno isolado, mas o reflexo de uma estrutura social que ainda carrega os resquícios de ideologias autoritárias e patriarcais. Ao perpetuar papéis de género rígidos e desiguais, esta prática coloca mulheres e homens em posições de conflito e, frequentemente, prejudica o bem-estar das crianças. Superar este legado requer um esforço coletivo para transformar não apenas as estruturas jurídicas, mas também os valores culturais que moldam as relações familiares. Somente assim será possível construir um futuro onde a parentalidade seja um espaço de igualdade e colaboração, e não uma arena de poder e controle.