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A Violência Doméstica em Portugal: Necessidade de Reformas Sistémicas na Responsabilização e Proteção das Vítimas

A violência doméstica em Portugal permanece como uma questão crítica no contexto social e jurídico. Embora os sucessivos aumentos das penas de prisão tenham sido a resposta predominante, estes esforços não têm sido suficientes para reduzir a reincidência ou dissuadir novos agressores. Este artigo propõe uma abordagem sistémica e integrada, sugerindo novas medidas que vão além do endurecimento penal, nomeadamente a publicitação das condenações, a imposição de indemnizações proporcionais aos rendimentos do agressor, a criação de mecanismos de monitorização eletrónica prolongada, e a substituição do Estado no pagamento das indemnizações às vítimas. A adoção destas medidas visa promover uma responsabilização efetiva dos agressores e assegurar uma proteção mais robusta para as vítimas de violência doméstica.

 

Palavras-chave:  

Violência doméstica, Direito penal, Indemnizações, Responsabilização, Monitorização eletrónica.

 

 

 



A violência doméstica tem sido uma preocupação constante no sistema jurídico português, ocupando uma posição central nas reformas legislativas das últimas décadas. Não obstante, a estratégia de endurecimento das penas de prisão tem-se revelado insuficiente para reduzir o número de casos ou para travar a reincidência. Esta situação leva-nos a questionar a eficácia da abordagem exclusivamente punitiva e a necessidade de introduzir mecanismos complementares que ofereçam uma resposta mais abrangente, com foco tanto na proteção das vítimas como na responsabilização efetiva dos agressores.

 

Neste contexto, a presente investigação tem como objetivo propor uma série de reformas que complementem a legislação existente, com o intuito de melhorar a eficácia do combate à violência doméstica em Portugal. Propomos a criação de um novo artigo 152.º-B no Código Penal, que prevê a publicitação das condenações por violência doméstica, a imposição de indemnizações proporcionais aos rendimentos dos agressores, a monitorização eletrónica pós-condenação, e a substituição do Estado no pagamento das indemnizações às vítimas.

 

1. Publicitação das Condenações por Violência Doméstica

 

A condenação por crimes de violência doméstica é um marco fundamental na responsabilização do agressor, porém, os efeitos desta responsabilização permanecem, muitas vezes, invisíveis para a sociedade. A criação de uma lista pública de condenados, disponível no site da Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ), permitiria que a sociedade acompanhasse as consequências jurídicas destes crimes, reforçando a dissuasão e promovendo a confiança das vítimas no sistema judicial.

 

Na jurisprudência internacional, existem precedentes de medidas semelhantes, que têm mostrado um impacto positivo na dissuasão criminal e na consciencialização pública sobre a gravidade de determinados crimes. Em Portugal, a criação de tal lista pode ser um passo significativo na comunicação clara de que os crimes de violência doméstica não ficam impunes e têm consequências sociais.

 

2. Registo de Homicídios na Certidão de Nascimento

 

Atualmente, o registo de insolvências é permitido na certidão de nascimento, o que levanta uma questão pertinente: se uma situação económica pode ser inscrita no registo civil, por que não aplicar o mesmo critério aos crimes de homicídio resultantes de violência doméstica? Esta medida, além de simbolicamente forte, permite manter viva a memória das vítimas e reforçar a responsabilização social e jurídica dos agressores.

 

Propor que os crimes de homicídio em contexto de violência doméstica constem na certidão de nascimento da vítima significa atribuir ao crime um reconhecimento legal permanente, sendo um lembrete constante da gravidade dos atos e das suas consequências.

 

3. Impedimento de Integração em Órgãos Sociais e Funções de Gestão

 

O agressor condenado por homicídio ou violência doméstica grave não deve ser autorizado a integrar órgãos sociais de empresas ou ocupar cargos de gestão durante um período de dez anos. Esta medida, já prevista em alguns contextos internacionais e para determinados crimes, protege a sociedade de indivíduos que, comprovadamente, desrespeitaram as normas mais básicas de convivência e de respeito pelos direitos humanos.

 

Este impedimento não só serve para sancionar o agressor, mas também protege as vítimas de qualquer influência futura que o agressor possa exercer em contextos de poder, nomeadamente em empresas e instituições.

 

4. Monitorização Eletrónica e Proibição de Exercício de Profissões

 

Um dos aspetos mais negligenciados na punição dos agressores de violência doméstica é a reincidência após o cumprimento da pena de prisão. Para mitigar este risco, propõe-se a aplicação de dispositivos de monitorização eletrónica (pulseiras eletrónicas) durante um período de até dez anos após a condenação. Esta medida assegura que o agressor não possa frequentar locais que possam representar risco para as vítimas ou para potenciais futuras vítimas.

 

Adicionalmente, propõe-se que o agressor seja proibido de exercer determinadas profissões que impliquem contacto com grupos vulneráveis, como crianças ou idosos. Esta limitação é essencial para evitar que o agressor tenha a oportunidade de reincidir em contextos de poder e abuso.

 

5. Indemnizações Proporcionais aos Rendimentos do Agressor

 

As indemnizações às vítimas de violência doméstica devem ser uma parte integral da responsabilização do agressor. Proponho que sejam estabelecidos montantes mínimos para os diferentes tipos de violência:  

- 50.000 euros no caso de violência psicológica;  

- 75.000 euros no caso de violência física;  

- 100.000 euros no caso de homicídio.

 

Esses montantes devem ser aplicáveis a agressores com rendimentos equivalentes ao salário mínimo nacional ou inferiores. Para rendimentos superiores, as indemnizações deverão ser aumentadas proporcionalmente, assegurando que o agressor sente o peso financeiro das suas ações, enquanto a vítima recebe uma compensação justa e significativa. A fórmula utilizada seria progressiva, com escalões de rendimento a definir pela legislação.

 

6. Substituição do Estado no Pagamento das Indemnizações

 

Uma das grandes barreiras à justiça financeira para as vítimas de violência doméstica é a incapacidade do agressor de pagar as indemnizações. Propomos que o Estado se substitua ao condenado no pagamento imediato das indemnizações, sub-rogando-se no direito de cobrar posteriormente ao agressor. Esta medida garante que as vítimas são compensadas de forma célere, enquanto o agressor permanece responsável por ressarcir o Estado.

 

A existência de mecanismos semelhantes em outras áreas do direito civil e penal mostra que esta abordagem pode ser viável e eficaz, ao mesmo tempo que reforça a obrigação financeira do agressor para com as vítimas e a sociedade.

 

Conclusão

 

A violência doméstica é um fenómeno complexo que exige respostas igualmente complexas e abrangentes. O enfoque exclusivo no endurecimento das penas tem mostrado ser insuficiente, sendo necessário complementar esta abordagem com medidas que responsabilizem os agressores de forma mais ampla e que protejam as vítimas de forma mais eficaz. As propostas apresentadas, desde a publicitação das condenações até às indemnizações proporcionais e à monitorização eletrónica, visam proporcionar uma solução mais justa e eficaz para o combate à violência doméstica em Portugal.

 

A introdução de um novo artigo 152.º-B no Código Penal, que contemple estas medidas, seria um passo crucial na proteção das vítimas e na responsabilização dos agressores, contribuindo para a redução deste flagelo social.

 

Bibliografia

 

- Código Penal Português  

- Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos  

- Relatórios Anuais da Direção-Geral da Administração da Justiça  

- Estudos sobre violência doméstica no contexto europeu