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Novo quadro normativo para a propriedade horizontal

A revisão do regime da propriedade horizontal, consagrada no Código Civil e aprovada pelo Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, foi revista pela Lei n.º 8/2022, de 10 de Janeiro, motivada fortemente por uma revisão actualista e de conformação de realidades generalizadas à lei. 

Com efeito, visa o novo normativo contribuir para a pacificação da jurisprudência, porventura abundante e por vezes controversa, e introduzir mecanismos agilizadores da convivência em propriedade horizontal.


Embora não se trate de uma revisão em substância, é uma revisão que vem mudar alguns paradigmas e procurar apaziguar algumas ainda existentes incertezas nomeadamente quanto à transmissibilidade de dívidas decorrentes de encargos com as partes comuns nas situações de transmissão da propriedade, bem como à responsabilidade pelas despesas das partes comuns, com e sem uso exclusivo dos condóminos.

A nova lei traz também novidades quanto às convocatórias e realização das assembleias, consagrando a possibilidade do uso de meios tecnológicos quer para umas quer para outras.

São igualmente alargadas as responsabilidades e competências dos administradores de condomínio e clarificada a representação processual dos condomínios.

Damos aqui enfoque às principais alterações ao regime da propriedade horizontal, sistematizado nos seguintes pontos:

1. Alteração do título constitutivo da propriedade horizontal

2. Responsabilidade pelas despesas das partes comuns

3. Efeitos das dívidas na transmissão de propriedade

4. Convocatórias e Assembleias à Distância e Actas

5. Reforço das Funções do Administrador e Representação Processual

6. Dever de Informação dos Condóminos


1. Alteração do título constitutivo da propriedade horizontal

O artigo 1419º do Código Civil vê a sua redacção alterada.

O administrador pode, em representação do condomínio, outorgar a escritura ou elaborar e subscrever o documento particular com o acordo de todos os condóminos.

Na falta de acordo, pode a alteração ser suprida judicialmente desde que esteja reunido o acordo de pelo menos 90% dos condóminos e não haja modificação das condições de uso, valor relativo ou fim a que as fracções se destinam.


2. Responsabilidade pelas despesas das partes comuns

Neste âmbito, foram introduzidas alteração ao artigo 1424º do Código Civil, que foram objecto de anteriores redacções em 1994 e, mais recentemente, em 2012, procurando-se aclarar a matéria relativa à responsabilidade pelo pagamento das despesas e encargos com as partes comuns, nomeadamente e também no que respeita ao momento da alienação da fracção. 

São alterados os n.º 1 a 3 do artigo, que passam a estatuir o seguinte:

“1 - Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum são da responsabilidade dos condóminos proprietários das frações no momento das respetivas deliberações, sendo por estes pagas em proporção do valor das suas frações.

2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada, sem oposição, por maioria dos condóminos que representem a maioria do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.

3 - As despesas relativas às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.”

Neste sentido, fica estatuído que as responsabilidades pelas despesas das partes comuns recaem sobre o proprietário da fracção no momento da sua deliberação e são devidas na proporção do valor das suas fracções (valor aferido na razão da permilagem, naturalmente).

Importará aqui sublinhar que tornar-se-á de grande relevância que as assembleias gerais anuais deliberem de forma clara e inequívoca os valores das quotas aplicáveis anual e mensalmente para que, deste modo, se possam ir definindo momentos de assunção sobre a responsabilidade plasmada no número 1, sem prejuízo do aditamento resultante do artigo 1424º-A, que consagra o normativo quanto às responsabilidades pelos encargos do condomínio decorrentes de transmissão da propriedade e que será objecto de análise no ponto seguinte do presente artigo.

Por sua vez, o número 2 do artigo 1424º, vem reduzir a maioria necessária para a aprovação da imputação de despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum, passando da exigência anterior de 2/3 para maioria do valor total do prédio (+50%).

O número 3 abandona a referência aos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que servem exclusivamente algum dos condóminos e estabelece a regra geral de que as partes comuns de uso exclusivo ficam a cargo dos que nela se servem.

É ainda aditado um novo número (6) ao artigo que esclarece a imputação de despesas de manutenção das partes comuns de uso exclusivo só recai sob o condómino que delas beneficia se a necessidade de a despesa decorrer de facto que lhe seja imputável. Doutro modo será enquadrável como uma despesa comum, a repartir na proporção do valor das fracções.

Importará aqui chamar a atenção também ao aditamento ao artigo 1427º que, no respeitante a obras de reparação indispensáveis e urgentes, vem esclarecer o seu âmbito e alcance.

A nova redacção dá maior acolhimento à resolução de conflitos comuns no que respeita às partes comuns de uso exclusivo, como sejam por exemplo, terraços, logradouros, varandas e garagens. 

3. Efeitos das dívidas na transmissão de propriedade

É aditado ao Código Civil um novo artigo (o 1424º-A) que, sob a epígrafe “responsabilidade por encargos de condomínio” que institui novas obrigações sobre o proprietário, o administrador e sobre o acto de formalização de alienação da fracção autónoma.

Com efeito, o proprietário que pretenda alienar a sua fracção fica obrigado a requerer ao administrador de condomínio declaração escrita “da qual conste o montante de todos os encargos de condomínio em vigor relativamente à sua fração, com especificação da sua natureza, respetivos montantes e prazos de pagamento, bem como, caso se verifique, das dívidas existentes, respetiva natureza, montantes, datas de constituição e vencimento”.

Esta declaração – que deve ser emitida pelo administrador de condomínio no prazo de 10 dias – passa a constituir, a par de outros, documento instrutório obrigatório da escritura ou documento particular autenticado de alienação da fracção, sendo a sua falta requisito impeditivo da realização do negócio jurídico.

A responsabilidade pelas dívidas existentes – esclarece no novo dispositivo legal – é aferida “em função do momento em que a mesma deveria ter sido liquidada, salvo se o adquirente expressamente declarar, na escritura ou no documento particular autenticado que titule a alienação da fração, que prescinde da declaração do administrador, aceitando, em consequência, a responsabilidade por qualquer dívida do vendedor ao condomínio”.

Fica igualmente estatuído que os montantes que constituam encargos do condomínio e que se vençam em data posterior à transmissão, independentemente da sua natureza, são da responsabilidade do novo proprietário.

Em matéria de dívidas por encargos de condomínio é alterado igualmente o artigo 6º do Decreto-Lei 268/94, que regula a propriedade horizontal, ficando plasmado e esclarecido o conteúdo a que devem respeitar as actas que deliberarem sobre o montante de contribuições a pagar, devendo não só mencionar o montante anual a pagar por cada condómino, bem como a data de vencimento das respectivas obrigações, valendo assim como título executivo contra o condómino que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte, estando nele inclusos os juros de mora e sanções pecuniárias aprovadas em assembleia ou previstas em regulamento.

Incumbe ao administrador de condomínio instaurar o procedimento judicial de cobrança no prazo de 90 dias a contar da data do primeiro incumprimento, excepto deliberação em contrário e desde que o valor em dívida seja igual ou superior ao valor do IAS no respectivo ano civil.


4. Convocatórias e Assembleias à Distância e Actas

A regra geral segundo a qual a assembleia reúne-se na primeira quinzena de Janeiro passa a ser flexibilizada, podendo ser realizada no primeiro trimestre do ano, desde que tal esteja consagrado no regulamento ou seja aprovado por maioria em assembleia.

Por certo, esta consagração resulta da conformação da lei à prática corrente e comum aos condomínios que, em muitas ocasiões, não conseguem reunir até ao termo da primeira quinzena de janeiro.

No entanto, as maiores alterações carreadas pela nova lei em matéria de assembleias, incidem na convocação e funcionamento das mesmas.

Com efeito, passa a ter consagração legal, a possibilidade de convocar a assembleia por correio electrónico para os condóminos que manifestem essa vontade, devendo a mesma ficar lavrada em acta anterior à assembleia a que respeita. O endereço deverá ficar a constar da respectiva acta.

Nos casos de convocatória por correio electrónico deverá ser enviado recibo de recepção à mensagem convocatória.

Quanto à realização da assembleia, o normativo vem consagrar o uso comum da possibilidade de convocatória para trinta minutos depois da primeira convocatória, no mesmo local, desde que esteja garantida a presença, no próprio dia, de um quarto do valor total dos condóminos do prédio.

Os ausentes deverão ser notificados das deliberações no prazo de 30 dias, como era anteriormente, podendo passar a receber as actas por correio electrónico, desde que tenham, naturalmente, manifestado aceitar ser convocados e notificados por essa via em assembleia anterior. O seu silêncio é considerado como aprovação das deliberações comunicadas.

As actas das assembleias são obrigatoriamente lavradas, redigidas e assinadas por quem tenha intervindo como presidente e subscritas por todos os condóminos presentes, devendo conter um resumo do que de essencial se tiver passado na assembleia de condóminos, indicando, designadamente, a data e o local da reunião, os condóminos presentes e ausentes, os assuntos apreciados, as decisões e as deliberações tomadas com o resultado de cada votação e o facto de a ata ter sido lida e aprovada.

A eficácia das deliberações depende da aprovação da respectiva acta, independentemente da mesma se encontrar assinada pelos condóminos. Esta regra – carregada pela alteração ao artigo 1º do Decreto-Lei n.º 268/94, - vem trazer para cima da mesa a necessidade de, para além da acta sem si (que na grande maioria das vezes não é redigida no momento da assembleia) deverá ser objecto de aprovação em acta posterior ou em instrumento de aprovação autónomo. Veremos, a seu tempo, se a redacção do dispositivo é feliz ou não…

São ainda introduzidas alterações no regime legal, passando a permitir-se a assinatura das actas por vias electrónica, “valendo como subscrição a declaração do condómino, enviada por correio eletrónico, para o endereço da administração do condomínio, em como concorda com o conteúdo da acta que lhe tenha sido remetida pela mesma via, declaração esta que deve ser junta, como anexo, ao original da acta”.

Em matéria de transição digital e inovação tecnológica, é aditada ao regime da propriedade horizontal a possibilidade de a assembleia ter lugar com recurso a meios de comunicação à distância, preferencialmente por videoconferência.

5. Reforço das Funções do Administrador e Representação Processual

O administrador de condomínio vê as suas funções reforçadas, passando a ter adicionais deveres de diligência e informação.

Nomeadamente, deve verificar a existência do fundo comum de reserva e exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas, incluindo os juros legais devidos e as sanções pecuniárias fixadas pelo regulamento do condomínio ou por deliberação da assembleia.

Em termos de dever de informação, o administrador deve informar os condóminos de todos os processos judiciais ou para-judiciais em curso, devendo essa informação ser semestralmente actualizada.

Deve ainda emitir a declaração de dívida de condomínio no prazo de 10 dias sempre que tal seja solicitado, nomeadamente para alienação de fracção, bem como fica incumbido de solicitar e apresentar pelo menos três orçamentos de diferentes proveniências para a execução de obras de conservação extraordinária ou que constituam inovação no edifício, excepto deliberação ou disposição regulamentar em contrário.

O novo regime vem ainda, no que à administração respeita, clarificar a representação do condomínio em juízo, passando este a ser sempre representado pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele.

O administrador age em juízo no exercício das funções que lhe competem, como representante da universalidade dos condóminos ou quando expressamente mandatado pela assembleia de condómino, podendo ser apresentadas pelo administrador queixas-crime relacionadas com as partes comuns sem autorização da assembleia de condóminos.

6. Dever de Informação dos Condóminos

Os condóminos devem informar o administrador do condomínio do seu número de contribuinte, morada, contactos telefónicos e endereço de correio eletrónico e atualizar tais informações sempre que as mesmas sejam objeto de alteração.

Sempre que estiver prevista a alienação das frações, deve o condómino alienante comunicar ao administrador, por correio registado expedido no prazo máximo de 15 dias a contar da mesma, devendo esta informação conter o nome completo e o número de identificação fiscal do novo proprietário, sendo que a falta de comunicação indicada no número anterior responsabiliza o condómino alienante pelo valor das despesas inerentes à identificação do novo proprietário e pelos encargos suportados com a mora no pagamento dos encargos que se vencerem após a alienação.