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O "acto cooperativo" e suas consequências do domínio laboral

O acto cooperativo não existe enquanto noção jurídica autónoma em Portugal - como acontece com a definição de acto de comércio.

Todavia, a importância que o sector cooperativo tem no nosso país fruto da sua consagração na CRP e Código Cooperativo permitem, pelo menos, concluir que esta noção tem origem num sector autónomo e que representa uma especificidade fruto do funcionamento peculiar das cooperativas.



Uma dessas especificidades, e que ora nos propomos analisar, é o caso das cooperativas de trabalho quanto à qualificação ou não como contrato de trabalho da relação existente entre a Cooperativa e os seus membros.

O ACTO COOPERATIVO

Partamos precisamente da definição de acto cooperativo, ou seja, “do acto realizado entre cooperativa e seus cooperadores, bem como entre cooperativas associadas entre si para a prossecução do respectivo objecto social” – cf. página 97, Rui Namorado, Estudos e pareceres, cooperatividade e direito cooperativo, Almedina.

Na legislação portuguesa (apesar de não existir como acima se referiu a consagração legal) é visível a importância desta matéria:

- a CRP consagra o” sector cooperativo e social” ;
- desde 1980 que existe em Portugal um Código Cooperativo - posteriormente revisto em 1997;
- o Código Cooperativo define as cooperativas como um tipo legal de pessoa colectiva autónomo, ao lado das associações, das fundações e das sociedades comerciais;
- o Código Cooperativo estatui o código comercial como legislação subsidiária a si próprio reforçando-se assim a independência conceptual e de regime que a lei portuguesa consagra às cooperativas;

Resulta deste contexto que o lugar de destaque que a lei portuguesa dá ao sector cooperativo traduz-se no aparecimento, em concreto, da noção de acto cooperativo. Assim esta forma “informal” de noção de acto cooperativo tem como resultado a criação de regimes excepcionais, em diversas matérias, de aplicação restrita às cooperativas é exemplo disso o Estatuto Fiscal cooperativo ou a qualificação (ou não) como contrato de trabalho da relação existente entre a Cooperativa e os seus membros.

O “CONTRATO DE TRABALHO COOPERATIVO”

De forma abreviada poderemos dizer que o critério essencial da definição do contrato de trabalho é a subordinação jurídica do trabalhador ao empregador.

Ora nas cooperativas, fruto da natureza do acto cooperativo, a relação existente entre esta e os seus cooperadores não se pode confundir com qualquer tipo de subordinação jurídica. O cooperante é membro da entidade que é a cooperativa. Isto quer dizer que existe uma relação que se poderá qualificar como misto de proprietário (porque em conjunto os cooperantes decidem através dos órgãos o que deverá a Cooperativa fazer) e de trabalhador (porque é obrigatório que o membro cooperante participe com o seu esforço no desenvolvimento da finalidades da cooperativa).

Ora esta relação é incompatível com a definição imposta pela lei, pela doutrina e pela jurisprudência para o conceito de contrato de trabalho e daí decorre que o trabalhador-cooperador não se encontra protegido pelo conjunto de direitos consagrados no Código de Trabalho – por exemplo, não tem direito subsídio de férias ou de Natal.

Mas qual é o regime aplicável à relação entre a Cooperativa e o seu cooperador já que o Código de Trabalho não se aplica? A fim de melhor se concretizar a ideia que professamos utilizemos o caso de uma Cooperativa de serviços.

O regime legal de Cooperativa de Serviços esta previsto no decreto-lei 323/81 de 4.12. (e respectivo Código Cooperativo). A actividade de prestação de serviços caracteriza-se pelo fornecimento pela cooperativa, aos seus membros ou a terceiros, com ou sem remuneração, de certos resultados de trabalho, intelectual ou manual, através de contrato de prestação de serviços ou de quaisquer outros instrumentos jurídicos que possam servir a mesma finalidade.” No seu artigo 7º o Decreto lei citado refere-se à contribuição de capital e trabalho de cada cooperante. Assim nos termos do nº1 “Nas cooperativas de produtores de serviços a aquisição e manutenção da qualidade de membro da cooperativa dependem obrigatoriamente, e para todos os cooperadores, da sua contribuição para a cooperativa com capital e trabalho, …”. E no nº 3 salienta-se que “A contribuição do trabalho consiste na prestação, segundo as regras definidas pela assembleia-geral ou pela direcção, da actividade profissional dos cooperadores.”

Em troca do seu trabalho em vez do vencimento há distribuição de excedentes (anualmente) e/ou, a titulo mensal, “levantamentos por conta ” – cf. artigo 9º nº1 : ”a distribuição de excedentes anuais gerados pelas cooperativas de produtores de serviços far-se-á: a) proporcionalmente ao trabalho de cada membro, segundo critérios definidos nos estatutos e/ou regulamentos internos da cooperativa, nos termos do artigo 71º do Código Cooperativo, deduzindo-se, após a sua determinação, os levantamentos dos membros recebidos por conta dos mesmos.” Ou seja, cada trabalhador cooperador deverá receber em proporção ao trabalho executado.

OS PRINCIPIOS COOPERATIVOS E A DOUTRINA

Também o Código Cooperativo releva para a completa definição do regime legal aqui aplicável. Devermos então socorrer-nos dos princípios cooperativos, nomeadamente, do princípio da participação económica dos membros – cf. Declaração de princípios da Aliança cooperativa internacional) que ganhou força jurídica através da sua recepção directa na Constituição da República Portuguesa.

Esta norma menciona que os cooperadores destinam os excedentes a um objectivo: benefício dos membros na proporção das suas transacções. O termo “Transacções” deve-se entender como um “levantamento” na proporção do trabalho desempenhado.

Por seu lado, também a doutrina portuguesa consagra este entendimento.

Veja-se, nomeadamente, a opinião avalizada do Dr. Rui Namorado sobre esta questão, no seu livro acima já citado: “Estando-se perante uma cooperativa de produtores de serviços, ou seja perante uma cooperativa de trabalho, isso significa que há um conjunto de trabalhadores na área de ensino que resolveram ser empresários de si próprios. Os cooperadores em causa não trabalham para uma entidade que lhes é estranha e que com eles tivesse celebrado um contrato de trabalho. Os cooperadores trabalham para si próprios, porque é o colectivo que organiza o trabalho de todos eles, o colectivo juridicamente personificado na cooperativa. E continua mais à frente: “Em rigor, portanto, eles não recebem um verdadeiro salário da cooperativa. Mês a mês, antecipam uma parcela da sua quota-parte nos resultados anuais líquidos. Os critérios para a determinação dessa parcela podem variar, mas a lógica não pode deixar de ser a de repartir os resultados na proporção do trabalho prestado.”  “Se no fim do ano, pelo contrário se constatar que a soma dos montantes mensais recebidos por cada um (os quais se traduzem em adiantamentos) é inferior aquilo que lhes cabe na repartição dos resultados finais desse mesmo ano, estamos perante a possível existência de excedentes …Se a cooperativa optar por não fazer retornar aos cooperadores os excedentes anuais, de acordo com as regras que se acabam por referir, pode destina-los ao seu desenvolvimento ou a apoiar outras actividades aprovadas pelos membros – cf. Código Cooperativo artigo 3º.”- vd. Página 126.

Neste texto, em outro momento, ainda se é mais claro: “ falando-se em levantamentos dos cooperadores, mostra-se que não estamos perante salários, mas uma parcela de um todo que só no fim do ano se pode determinar. “

CONCLUSÃO:

Como se alcança facilmente o regime a aplicar na questão em apreço é a legislação cooperativa e não o código de trabalho - a nenhum título. A natureza do acto cooperativo impõe esta solução sob pena de a legislação consagrada na CRP, no Código Cooperativo e outra legislação avulsa que faça parte do direito cooperativo português se tornar “letra morta”.