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O regime jurídico das obras no locado arrendado para fins não habitacionais
Atendendo à importância da informação sobre o NRAU, cuja sedimentação dá os primeiros passos, disponibilizamos mais um texto sobre a matéria, desta senda com enfoque no que respeita às obras no locado arrendado para fins não habitacionais.

A. ENQUADRAMENTO GERAL

 A Lei n.º 6/2006 de 27/02, que entrou em vigor no dia 28 de Junho de 2006, aplica-se a todas as situações ocorridas após essa data e também aos contratos de arrendamento celebrados anteriormente, ressalvado o respectivo regime transitó-rio. Em suma, temos de atender:
 a) à Lei que estava em vigor no momento da celebração do contrato e que é a aplicável no que toca às condições de validade formal e substancial do negócio;
 b) enquanto contrato duradouro, o contrato de arrendamento produz efeitos que se prolongam no tempo e que se vão produzir já no domínio de vigência da nova Lei. Ora, tais efeitos hão-de reger-se pelo:
 - novo regime imperativo;
 - novo regime supletivo, se este não for contrário àquele que estava vigen-te aquando da celebração do contrato, caso em que será esse o regime aplicável – cfr. n.º 3 do artigo 59.º da Lei n.º 6/2006 de 27/02;
 - regime transitório – artigos 26.º a 59.º da Lei n.º 6/2006 de 27/02 e disposições transitórias de diplomas regulamentares do NRAU.

No que respeita aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais há que distinguir se foram celebrados antes ou depois do dia 05 de Outubro de 1995, data da entrada em vigor do D.L. n.º 257/95 de 30 de Setembro.

Vejamos o regime aplicável a ambas as hipóteses:

a) contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado antes do dia 05 de Outubro de 1995, data da entrada em vigor do D.L. n.º 257/95 de 30 de Setembro

Segundo os artigos 27.º e 28.º da Lei n.º 6/2006 (adiante NRAU) o regime transitório aplicável a estes contratos é o mesmo que se encontra estatuído para os celebrados posteriormente à entrada em vigor do D.L. n.º 257/95 de 30 de Setembro; isto é, aplica-se-lhes o disposto no artigo 26.º do NRAU, exceptuando-se:
- o regime das benfeitorias, que se rege pelo artigo 29.º da mesma Lei;
- o regime da actualização de rendas, pois caso não se verifique a cessação do arrendamento nos termos do n.º 6 do artigo 26.º, a actualização só pode ocorrer quanto às rendas relativas a contratos anteriores à entrada em vigor do D.L. n.º 257/95 de 30 de Setembro (artigo 51.º do NRAU).
 
b) contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado depois da entrada em vigor do D.L. n.º 257/95 de 30 de Setembro

Como se viu, o que dissermos aqui quanto ao regime transitório, vale também para os contratos de arrendamento para fins habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do D.L. n.º 257/95 de 30 de Setembro, excepto quanto às matérias que foram indicadas.

Principais alterações introduzidas pelo regime transitório:
i. transmissão por morte – artigo 26.º n.º 2, 28.º e 58.º do NRAU: em regra, o contrato de arrendamento termina com a morte do arrendatário;
ii. duração do contrato – artigo 26.º n.ºs 3 e 4 do NRAU:
a. se o contrato era de duração limitada e não tiver sido denuncia-do por qualquer das partes no fim do prazo pelo qual foi cele-brado, renovar-se-á automaticamente, sendo a primeira renovação, nos arrendamentos para fins não habitacionais, pelo período mínimo de cinco anos;
b. se o contrato não tem duração limitada passa a reger-se pelas normas aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, com as especificidades descritas nas alíneas do n.º 4 do artigo 26.º da NRAU, designadamente, não é possível a denúncia pelo senho-rio, que se encontra prevista na alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil, ainda que com um pré-aviso de cinco anos.
iii. Em caso de trespasse ou locação do estabelecimento ou sendo o arrendatário uma sociedade, se ocorrer transmissão inter vivos de posição ou posições sociais que determine a alteração da titularida-de em mais de 50% face à situação existente aquando da entrada em vigor do NRAU:
a. Pode haver livre denúncia pelo senhorio com um pré-aviso de cinco anos, pois cessa a proibição da alínea c) do n.º 4 do artigo 26.º da NRAU – cfr. alíneas a) e b) do n.º 6 do mesmo artigo ex vi do artigo 28.º e, nesse caso, há lugar a actualização imediata de renda (alíneas b) e c) do artigo 56.º da NRAU) se cumprido o formalismo legal aplicável e sobre o qual nos debruçaremos, no momento próprio, em análise do regime de actualização de ren-das.

Ressalvado o regime transitório, a nova Lei dá às partes uma maior liber-dade na celebração de contratos de arrendamento não habitacional.

Nomeadamente, as regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação podem ser livremente estabelecidas pelas partes. Se as partes nada disse-rem no contrato, este considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de dez anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano.

B. EM ESPECIAL: O DIREITO A OBRAS NO LOCADO ARRENDADO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS

Importa, desde logo, tomar consciência de que no que concerne a obras no locado arrendado para fins não habitacionais, vigora o princípio da autonomia da vontade, pelo que podem ser livremente acordadas entre as partes as regras relativas à responsabilidade pela realização das obras de conservação ordinária ou extraordi-nária, requeridas por lei ou pelo fim do contrato. É isto o  que dispõe o n.º 1 do artigo 1111.º do Código Civil, determinando-se a supletividade do regime legal.

Assim, na falta de estipulação pelas partes, caberá ao senhorio executar as obras de conservação, considerando-se o arrendatário autorizado a realizar as obras exigidas por lei ou requeridas pelo fim do contrato (n.º 2 do artigo 1111.º do C.C.).

Essas obras de conservação hão-de compreender, nos termos do n.º 1 do artigo 1074.º do C.C., todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo se houver a já referida estipulação em contrário.

Tratando-se de reparações urgentes ou outras despesas (artigo 1036.º do C.C.) que, pela sua urgência, não se compadecem com as delongas do procedimento judicial, existindo mora do senhorio quanto à obrigação de fazer reparações, o arren-datário tem a possibilidade de fazê-las extrajudicialmente, com direito ao seu reem-bolso.
 
Como se constata, é pressuposto da aplicação do regime de realização de reparações urgentes ou outras despesas pelo arrendatário, a existência de mora do senhorio. Donde se retira a necessidade do arrendatário proceder à notificação prévia do senhorio, fixando-lhe um prazo para a realização das reparações. Tal notificação deverá revestir a forma de carta registada com aviso de recepção (cfr. art.º 9.º da Lei n.º 6/2006 de 27/02).

Não obstante, quando a urgência não consinta qualquer dilação, o arren-datário pode fazer as reparações ou despesas, também com direito a reembolso, independentemente de mora do senhorio, contanto que o avise ao mesmo tempo – é o que resulta do n.º 2 do artigo 1036.º do C.C..

Demonstrando-se verificados os requisitos para aplicação do regime de reparações urgentes ou outras despesas pelo arrendatário (artigo 1036.º do C.C.), este pode efectuar a compensação do crédito pelas despesas com a realização da obra com a obrigação de pagamento da renda devendo, para tanto, comunicar essa inten-ção aquando do aviso da execução da obra e juntar os comprovativos das despesas até à data do vencimento da renda seguinte. (n.ºs 3 e 4 do artigo 1074.º do C.C.).

Cumpre ainda referir que, salvo estipulação em contrário, o arrendatário tem direito, no final do contrato, à compensação pelas obras licitamente feitas, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas por possuidor de boa fé. (n.º 5 do artigo 1074.º do C.C.)

Atente-se também que o arrendatário, ainda que exista mora do senhorio em fazer as obras, desde que tal facto não implique a perda do gozo da coisa locada, não pode deixar de pagar as rendas, pois não estamos no domínio de obrigações cor-respectivas (entre outra, vide a Jurisprudência do STJ de 06/05/82, disponível em www.dgsi.pt).

Este regime supletivo aplica-se, evidentemente, aos contratos de arrenda-mento para fins não habitacionais celebrados após 28 de Junho de 2006 e aos contra-tos de pretérito em vigor a essa data e que foram celebrados depois de 05 de Outubro de 1995 (D.L. n.º 257/95 de 30 de Setembro), sempre que o novo regime supletivo não seja contrário àquele que estava vigente aquando da celebração do contrato, caso em que será esse o regime aplicável – cfr. n.º 3 do artigo 59.º da Lei n.º 6/2006 de 27/02.

Assim, o tronco comum do regime jurídico das obras nestes contratos encontra-se nos artigos 1036.º, 1074.º e 1111.º do Código Civil e ainda, desde 07/09/2006, no D.L. n.º 157/2006 de 08 de Agosto.

Já quanto à realização de obras nos locados arrendados para fins não habi-tacionais antes de 05 de Outubro de 1995, há que considerar o regime transitório do artigo 48.º do NRAU (aplicável ex vi artigo 50.º) e ainda, desde 07/09/2006, nos arti-gos 1.º n.º 2 alíneas a) e b), 23.º e seguintes do D.L. n.º 157/2006 de 08 de Agosto.

No caso de o senhorio não tomar a iniciativa de actualizar a renda do locado para fins não habitacionais arrendado anteriormente a 05 de Outubro de 1995, a lei reconhece o direito a obras (n.º 4 do artigo 48.º do NRAU) que confere, desde logo, ao arrendatário a possibilidade de solicitar à comissão arbitral municipal (CAM) ou junto do município se aquela não estiver instalada (alínea a) do artigo 21.º do D.L. n.º 161/2006 de 08/08) que promova a determinação do coeficiente de conservação do locado (o que fará necessariamente através do modelo único simplificado*  - artigo 1.º e 3.º n.º 1 alínea d) da Portaria n.º 1192-A/2006 de 03/11); caso o nível de conservação seja de classificação mau ou péssimo, o arrendatário pode intimar o senhorio à realização de obras suficientes à obtenção do nível mínimo de médio (n.ºs 1 e 2 do artigo 48.º do NRAU e artigo 30.º e seguintes do D.L. n.º 157/2006 de 08 de Agosto).

O contraponto deste direito a obras é a obrigação de o arrendatário tolerar todas as reparações urgentes, bem como quaisquer obras ordenadas por autoridade pública – alínea c) do artigo 1038.º do Código Civil.

Se o senhorio, intimado por escrito para o fazer, não iniciar as obras den-tro do prazo de seis meses ou declarar não o pretender fazer dentro desse prazo, o arrendatário pode solicitar ao município competente a realização de obras coercivas ou tomar a iniciativa da sua realização (cfr. n.ºs 2 e 4 do artigo 30.º do D.L. n.º 157/2006 de 08 de Agosto).

Caso o arrendatário opte por tomar a iniciativa das obras tem de comuni-car previamente essa intenção à CAM e ao senhorio, com o mínimo de um mês de antecedência face ao início das obras e acompanhado do respectivo orçamento e a exposição dos factos que conferem o direito de as efectuar (n.ºs 1 e 2 do artigo 32.º do mesmo D.L.).

O arrendatário que efectue obras no locado compensa o valor despendido com as obras com o valor da renda, a partir do início daquelas, sendo que valor das obras a ter em conta para efeitos de compensação é o correspondente às despesas efectuadas e orçamentadas e respectivos juros, acrescidos de 5% destinados a despe-sas de administração e o valor da renda é o resultante da aplicação dos artigos 31.º a 33.º do NRAU, considerando-se um nível médio de conservação e um faseamento em cinco anos. Há ainda que ter em consideração que durante o período de duração da compensação, o senhorio tem o direito de receber o valor correspondente a 50% da renda vigente aquando do início das obras, acrescida das actualizações ordinárias anuais, tudo nos termos dos artigos 33.º e 34.º do D.L. n.º 157/2006 de 08 de Agosto.

Em determinados condicionalismos pode haver lugar à aquisição do locado pelo arrendatário – artigos 48.º n.º 4 alínea c) do NRAU e 35.º e seguintes do mencionado D.L..

Todas as comunicações entre senhorio e arrendatário deverão cumprir o disposto nos artigos 9.º a 12.º do NRAU (artigo 47.º do D.L. n.º 157/2006 de 08 de Agosto).

Por último, note-se que o regime das obras coercivas pelos Municípios se encontram regulamentadas nos artigos 1.º n.º 1 alínea b) e 12.º e seguintes do mesmo D.L..

*1 Aprovado pela Portaria n.º 1192-A/2006 de 03/11, em vigor desde 04 de Novembro e disponível em http://www.portaldahabitacao.pt/pt/nrau/home/Formulario.html  que será, no prazo de 30 dias após essa data, nos termos do artigo 4.º n.º 3, 5.º e 7.º n.º 1, preenchido e entregue através do portal
 http://www.portaldahabitacao.pt/pt/nrau/arrendatarios/index.html e só excepcionalmente poderá ser apresentado presencialmente – cf. artigo 7.º n.º 2.