Como é que se deve interpretar a atribuição de poder conferida por um Advogado a outro através de substabelecimento com reserva? Embora não seja uma situação – felizmente! – muito recorrente, é fundamental que os diversos operadores tenham presente alguns argumentos com assento em jurisprudência e entendimentos institucionais.
Desde logo há que distinguir e afastar desta breve análise duas situações que não deixam margem para dúvidas:
1. O substabelecimento sem reservas retira totalmente os poderes anteriormente conferidos e aceites pelo Advogado substabelecente, deixando assim de ser mandatário nos autos.
2. O substabelecimento com reservas onde, em concreto, se identifica expressamente que se destina a um acto específico ou a ser usado para um qualquer, mas só um, acto processual.
Do artigo 36º do C.P.C. resulta a presunção de que nos poderes conferidos ao mandatário está conferida a faculdade de substabelecer. “A contrario”, poder-se-á daqui inferir que no caso de substabelecimento com reserva ambos os Advogados se mantêm nos autos.
Este entendimento foi perfilado num Parecer do Conselho Geral da Ordem dos Advogados ( E-24/03, de 9 de Setembro de 2003), cujo relator foi o Sr. Bastonário José Miguel Júdice, que, em certa passagem refere que “se o substabelecimento nada refere quanto ao tempo e ao tipo de actos para que é concedido, só por aplicação do regime da caducidade é que poderia perder validade, a não ser revogado como manifestamente não foi e se não presume», sendo que a caducidade não se presume, mas antes resulta da lei ou da expressa vontade das partes.
E mais refere que “se o mandatário que substabelece quiser limitar o substabelecimento a determinado acto ou categoria de actos, tem sempre o poder de expressamente o fazer consignar no instrumento de substabelecimento”.
Poder-se-á, assim, concluir que a reserva existe pela vontade de permanência do Advogado nos poderes que lhe foram atribuídos, dispondo, aliás, o mandatário originário/inicial, da faculdade de, a qualquer momento, restringir e/ou retirar os poderes então substabelecidos. No entanto, aquele substabelecimento tem um efeito de alargamento dos poderes que lhe estão atribuídos a outros colegas.
Contudo, ficará sempre a dúvida de se saber a quem é que se poderá efectuar as notificações. Por maioria de razão, e entendendo que ambos os mandatários têm poderes conferidos nos autos, as notificações podem ser feitas num ou noutro, valendo e provocando os devidos efeitos. Ainda assim, sempre diremos, no nosso entendimento, que as notificações deverão ser efectuadas na pessoa do último mandatário a intervir, pois isso indicia a direcção do processo por aquele e que será este último que terá o assunto em mãos (entendendo que a reserva não foi expressamente restringida a um ou vários actos devidamente identificados).
**Para um melhor e mais aprofundado estudo da questão sugerimos a leitura do parecer referido, disponível na página oficial da Ordem dos Advogados em www.oa.pt, tomando a liberdade de repetir aqui as fontes jurisprudenciais que complementam aquele parecer:
Ac. do S.T.J. de 11-10-1983 (P. 037094) 11-Out-1983
I - o substabelecimento com reserva de poderes não exclui da posição representativa o substituinte.
II - Por virtude de tal subprocuração, ficarão a subsistir dois mandatos, precisamente com o mesmo conteudo, podendo e devendo qualquer dos mandatarios praticar os actos judiciais.
III - Quando haja necessidade de notificar ou avisar o mandante, a notificação ou aviso devera ser feita a um so deles e a qualquer deles.
Ac. do T.R.L. de 29-03-1993 (P. 0067672) 29-Mar-1993
I - O substabelecimento efectuado por advogado a favor de outro advogado, sem qualquer menção abdicativa ou renunciativa aos poderes substabelecidos - "maxime" sem a menção "sem reserva" - não opera a extinção do mandato judicial do substabelecente.
II - Assim, o mandatário primitivo continua a poder praticar os actos para que lhe fôra conferido o mandato judicial.
III - Com o substabelecimento nos moldes referidos em I a representação do mandante passa a ser assegurada por dois advogados com os mesmos poderes.
IV - As notificações que, no âmbito do processo judicial respectivo, devam ser feitas à parte, podem sê-lo na pessoa de qualquer dos mandatários - o substabelecente ou o substabelecido - desde que não haja, no processo, concreta indicação no sentido de serem feitas a um deles.
Ac. do S.T.J. de 12-1-1994 (P. 84 904) 12-Jan-1994
I - O mandatário judicial pode, na execução do mandato, substituir-se por outrem ou servir-se de auxiliares, nos termos em que o procurador o pode fazer, sempre que outra coisa não resulte do negócio ou da natureza do acto a praticar.
II - É da natureza do instituto a possibilidade de substabelecimento o qual, a acontecer, implica que a parte fique representada no processo por mais do que um mandatário, qualquer deles com plenitude de poderes de representação.
III - Só assim não sucede se o substabelecimento for feito "sem reserva", caso em que se verifica a substituição definitiva do primitivo mandatário pelo substituto.
Col. de Jur., 1994, 1, 39
Ac. do S.T.J. de 6-7-1994 (P. 3912) 6-Jul-1994
Supremo Tribunal de Justiça
Patrocínio judiciário
I - O patrocínio judiciário consiste na assistência técnica prestada por profissionais do foro na condução do pleito, mediante a prática, em termos adequados, dos respectivos actos processuais. (...)
IV - Substabelecer o mandato significa investir uma outra pessoa, igualmente habilitada, nos poderes de representação forense da parte e no dever de os exercer, quer com exclusão do primitivo mandatário (substabelecimento sem reservas), quer conjuntamente com o primeiro mandatário que permanece vinculado (substabelecimento com reserva).
V - O substabelecimento do mandato sem reservas significa a exclusão do primitivo mandatário, por força do disposto na parte final do nº 2 do artigo 264º do Código Civil.
VI - Se o mandatário, com substabelecimento sem reservas, não for notificado do despacho saneador, de especificação e questionário, mas sim o mandatário primitivo, verifica-se a nulidade prevista no artigo 201º, nº 1, do Código de Processo Civil, que determina a anulação dos actos subsequentes ao saneamento e condensação.
Bol. do Min. da Just., 439, 469
Ac. do T.R.L. de 26-10-1999 (P.0044261) 26-Out-1999
I - A procuração geral, com atribuição de poderes forenses gerais, inclui presuntivamente o poder de substabelecer, como resulta do disposto nos artigos 36º nº 2 e 37º nº 1 do C.P.C..
II - O substabelecimento pode revestir duas formas: com ou sem reserva.
Com reserva, a parte fica representada por mais do que um mandatário, qualquer um com plenitude de poderes de representação; no caso de sem reserva, cessa o patrocínio exercido pelo anterior mandatário, havendo uma substituição definitiva do primitivo mandatário pelo substituto, tudo se passando como se o mandato por aquele exercido tivesse sido revogado.