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Recursos em Processo Civil e em Processo Penal (Parte I)

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo destina-se a fazer uma apresentação/reflexão do Relatório denominado AVALIAÇÃO DO SISTEMA DE RECURSOS EM PROCESSO CIVIL E EM PROCESSO PENAL recentemente disponível em www.gplp.mj.pt.

Este documento resume um exercício de avaliação legislativa levado a cabo pelo Gabinete de Política Legislativa e Planeamento do Ministério da Justiça (GPLP), centrado no funcionamento do actual sistema de recursos em processo civil e processo penal.

Esta avaliação pretendia determinar quais os problemas reais do “sistema de justiça de recursos”, a que é associada a imagem de morosidade, complexidade e utilização excessivas.

A metodologia utilizada para avaliação incluía os estudos jurídicos, “a análise do funcionamento dos tribunais superiores, com a preocupação de caracterizar, tão detalhadamente quanto possível, o respectivo movimento processual e os recursos humanos e materiais que lhes estão afectos.” De referir que os tribunais administrativos pela sua especificidade não foram objecto deste estudo.
O presente relatório oferece um diagnóstico pretendendo-se contribuir para a definição de medidas administrativas e legislativas de simplificação das regras processuais e procedimentos que favoreçam a eficiência do sistema.

Pretende desta forma o PORTALFORENSE contribuir para este debate.



2. A ORGANIZAÇÃO EXISTENTE

Como resulta da lei os tribunais judiciais estão organizados em três instâncias, correspondendo a cada um deles uma determinada área de jurisdição. No topo da hierarquia e com jurisdição a nível nacional aparece o Supremo Tribunal de Justiça. Seguem-se os tribunais da Relação com competência a nível dos distritos judiciais e, por último, os tribunais de 1.ª instância. Os tribunais da Relação são, em regra, tribunais de 2.ª instância e encontram-se divididos em três secções consoante a matéria: cível, penal e social.

O Distrito Judicial do Porto engloba dois tribunais da Relação (Porto e Guimarães); os restantes distritos judiciais nacionais (Coimbra, Lisboa e Évora) têm um único tribunal com competência territorial em todos os círculos do respectivo distrito. De referir que a relação de Faro ainda se encontra por instalar.

No estudo segue-se uma caracterização dos tribunais superiores quanto pessoal ao serviço, as instalações, e aos equipamentos. Segue-se uma análise comparativa da dotação dos recursos humanos dos tribunais superiores, por categoria profissional.

3. AS PRINCIPAIS MATÉRIAS DAS DECISÕES OBJECTO DE RECURSO

 A) OS RECURSOS CIVIS

No que diz respeito aos recursos cíveis no lapso de tempo entre 1997 até 2003, verifica-se uma grande concentração nas temáticas das dívidas civis e comerciais e de despejo de prédio urbano.

Entre as outras temáticas objecto de recurso adquirem importância a seguinte:

- acidentes de viação
- matérias não especificadas de responsabilidade civil
- matérias não especificadas relativas a relações de trabalho
- remunerações e outras prestações sociais
- embargo de executados
- expropriação por utilidade pública.

Porém, estas matérias representam apenas percentagens relativamente residuais, face ao peso assumido pelas dívidas e pelos despejos.

Também no STJ se verifica a mesma “tendência de concentração das matérias dos recursos cíveis, com uma clara predominância dos recursos sobre acções relativas a dívidas civis e comerciais, que representam mais de 40% dos recursos cíveis que chegam a este tribunal, tendo mesmo representado quase 56% em 2001. “ O que leva a concluir-se no estudo que “Não obstante este facto, e dada a relativa coincidência de matérias, parece ser possível identificar como sendo um percurso normal a interposição de recurso na Relação, que depois acaba por ser interposto igualmente no STJ.”

B) OS RECURSOS PENAIS

No mesmo período analisado (1997-2003) a maioria dos recursos penais são de sentenças ou acórdãos condenatórios, atingindo estes valores na ordem dos 70%. Tais dados levam a concluir que os recursos de sentenças ou acórdãos não condenatórios são em menor número. O cenário repete-se no STJ sendo que com um quase inexistente número de recurso de decisões judiciais não condenatórias.
Facto que é referido com relevo neste documento prende-se com a diminuição do recurso de crime de emissão de cheque sem provisão que representava uma grande parte dos recursos penais. Em 1997, atingia cerca de 25% tendo descido em 2003 para cerca de 3%. A influência do Decreto-Lei n.º 316/97 de 19 de Novembro, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 1998 foi decisiva.

As temáticas que mais vezes são objectos de recurso nos tribunais da Relação nesta área do direito são : a condução de veículo em estado de embriaguez, a ofensa à integridade física simples e privilegiada e o tráfico e actividades ilícitas, simples ou agravado (vulgo tráfico de droga).

No caso do  STJ, o crime se traduz em maior número de recursos  é o crime de tráfico e actividades ilícitas, simples ou agravado que de 33% em 1998  se manteve em números semelhantes até 2003 ( 28%). “

Segundo análise do documento do M.J.  “ O que ressalta da análise dos crimes que estão na origem dos recursos que chegam ao STJ é que, por um lado, há uma maior concentração em poucos crimes (embora a partir de 2002 seja possível identificar uma maior dispersão) e, por outro lado, surgem crimes de cariz mais violento, os quais detinham um peso pouco relevante nas Relações, a acumular uma parte importante de recursos por exemplo, homicídio simples e qualificado e roubo ou violência depois de subtracção.”

4. A ALÇADAS, VALORES DAS CAUSAS

A Lei n.º 3/99 de 13 de Janeiro – L.O.T.J. - impõe o valor da alçada dos Tribunais da Relação, em matéria cível, em 3 000 000$00 (valor convertido para € 14 963,94) e a dos tribunais de primeira instância em 750 000$00 (valor convertido em € 3 740,98 ).  Resulta também da lei que em processo penal não há alçada.

De acordo com este estudo é possível identificar uma tendência crescente do valor médio das causas seja no que se refere ao valor das causas mais baixos seja no que se refere aos mais altos valores. Por exemplo, em 2003, “ 25% dos recursos cíveis tinha um valor igual ou inferior a 6 766.25, enquanto em 1995 a mesma proporção de recursos tinha um valor igual ou inferior a 3 123.72 (o que corresponde a um acréscimo de cerca de 53%). “

Até à alteração legislativa de 1999, a proporção destes recursos rondava os 7% - 8% nas Relações, sendo mais elevada no STJ ( 22% em 1999). Após a entrada em vigor dos novos valores das alçadas, mais concretamente em 2002, esta percentagem diminui cerca de 3 pontos percentuais nas Relações, para se situar nos 3% em 2004, e quase 10 pontos percentuais no STJ, para se situar nos 14% em 2004.

É bom recordar neste contexto que existindo matérias que são sempre recorríveis independentemente do valor da causa, mesmo que se proceda a alterações nos valores das alçadas, se este grupo de matérias não forem alteradas, as respectivas decisões podem ser sempre recorridas.

5. RECURSOS PROVIDOS E NÃO PROVIDOS

Uma vez descrita a evolução da movimentação processual dos tribunais superiores, interessa saber quais as taxas de provimento dos recursos.
Resulta deste estudo que “… a esmagadora maioria dos recursos findos entre 1998 e 2003 nos Tribunais da Relação foram alvo de julgamento. Apenas em 1991, 1994 e 1999 o peso dos recursos findos antes de julgamento ultrapassou os 10%, registando nos últimos 5 anos valores entre 4% e 6%. De entre os recursos findos com julgamento, o peso dos recursos não providos, com as excepções de 1993 e 1994, oscilou, nos últimos 15 anos, entre os 50% de 1992 e os 60% de 2001.”

Nos últimos 10 anos, os recursos com provimento registaram sempre valores superiores aos 35% do total de recursos findos o que significa uma taxa de recurso com sucesso abaixo dos 50%. Desses recursos cerca de 25% são recursos findos com provimento total sendo que o provimento parcial representa entre 10% e 11% do total de recursos findos entre 1998 e 2003.

No caso do STJ, a percentagem de recursos findos antes do julgamento é superior à das Relações. Ainda assim, estes continuam a representar uma parcela relativamente diminuta do total de recursos findos.
À semelhança do verificado junto das Relações, também no STJ a maioria dos recursos findos com julgamento não têm provimento, oscilando este valor entre os 57% e os 69% no período em análise.

No que concerne à  taxa de provimento dos recursos findos, do estudo resulta que  tanto nas Relações como no STJ, o peso dos não provimentos representa sempre mais de metade do total de recursos findos demonstrando que poderá o recurso ser utilizado não apenas como forma de nova apreciação do processo mas como forma de adiar uma decisão.

Já no que diz respeito aos recursos findos antes do julgamento a Relação o STJ manifestam grandes diferenças entre os recursos cíveis e os penais, sendo que é na secção criminal do STJ que se atingem os valores mais altos.

6. A DURAÇÃO MEDIA DOS PROCESSOS, A EFICIÊNCIA E A PRODUTIVIDADE

Da análise efectuado pelo M.J. verifica-se nos últimos anos uma “diminuição considerável das durações médias dos processos, essencialmente na secção cível das Relações (passando de 12 meses em 1990 para 4 meses em 2003) e na secção criminal do STJ (tendo atingido os 9 meses em 1995 e 1996, o STJ leva actualmente em média 3 meses para concluir um recurso penal)”.

Desde do início da década de 1990 observa-se também um incremento da eficiência dos tribunais superiores, com particular destaque para o STJ e a Relação de Coimbra. Por outro lado,  “ a Relação de Évora apesar de ter, nos anos mais recentes, uma taxa de resolução das mais altas, acaba por registar o mais baixo índice de eficiência em consequência do elevado número de recursos pendentes acumulados”. Todavia, o mesmo texto refere que “é nas Relações do Porto (até à criação da Relação de Guimarães) e de Évora que se registam cargas de trabalho claramente superiores à média, aplicando-se esta situação tanto a magistrados como oficiais de justiça”.

Por último, permitiu este estudo concluir que a produtividade nas Relações cresceu apresentando os Desembargadores no ano de 2003, valores médios superiores à produtividade dos juízes conselheiros do STJ.

Efectuada a análise da organização judiciária, da temática das decisões objecto de recursos, da percentagem de sucesso dos recursos e, por último, a resposta em termos de eficiência do sistema (duração de processos/ produtividade dos Juízes Desembargadores e Conselheiros) permite-nos esclarecer do ponto de visto da contemporaneidade o que se passa nesta área da Justiça.    

(1ª parte do artigo. Em breve a publicação integral com as propostas de alteração previstas no documento citado)