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Qualificação jurídica - direito de uso de software

Acerca da qalificação jurídica de um contrato, acabei por confirmar que a mesma acaba por ser condicionada pela definição jurídica do bem em causa, que é dada pelo Direito de Autor e Direito da Informática, e acabam também por condicionar a qualificação do contrato.


Qualificação do bem em causa

O objecto do presente contrato consubstancia-se em:

- cedência do direito de uso de programas de software e direitos associados (a título de exemplo: vender cartões comprovativos de aquisição de competências e efectuar exames);

- direito de utilizar as designações correspondentes ao produto;

- prestação de informação e formação, vinculativa, para correcto funcionamento e preservação dos programas.

Programas de software são produtos autónomos, no contexto dos produtos informáticos, imateriais, destinando-se apenas a processar informação, assumindo uma forma essencialmente operativa, baseados nas ideias e procedimentos que os conceberam, pelo que são considerados bens análogos a obras literárias ou de carácter intelectual, independentes e distintos dos suportes físicos em que se armazenam (materiais).

Software é um conjunto de instruções em linguagem acessível à máquina, através das quais se visa a execução de uma função ou a obtenção de um certo resultado , podendo em si, conter vários programas, incluindo também a documentação necessária, vulgo manual do utilizador e testes.

Por se tratar de um bem imaterial, fruto de criação intelectual, consubstanciado em ideias e inovação, independentes da forma, está protegido pela legislação de Direitos de Autor e Direitos Conexos, que, devido à natureza do bem protegido, chega a considerar como reprodução a simples utilização em rede, ou seja, várias visualizações do mesmo programa, do mesmo bem.

No caso vertente trata-se de um produto e não de um serviço (a feitura de um programa pode ser objecto de um serviço mas o programa, ou seja, o resultado, não é um serviço), definindo-se como "qualquer coisa móvel ainda que incorporada noutra coisa móvel ou imóvel".

Desta forma, estes produtos apenas são transmissíveis sobre a forma de licenças de utilização, em que o titular do direito autoral/patente/marca tem o exclusivo e controla, na totalidade: "a sua utilização, correcção de erros, feitura de cópias, testes de funcionamento e até a descompilação (tradução dos periféricos, que se exprimem no ecrã - visualização - de forma a conhecer a sua linguagem de programação), através da denominada locação".

Uma utilização livre destes direitos, afectando a sua qualidade, operacionalidade ou mudança de titularidade, poderiam provocar danos superiores aos contabilizáveis por deterioração dos bens móveis associados.

Sendo a empresa detentora dos direitos de exploração e da respectiva marca, possuindo o exclusivo da mesma para Portugal, marca essa registada e protegida, não cedendo os direitos em causa, mas apenas a sua utilização temporária, é-lhe perfeitamente legítimo exigir o cumprimento de determinados procedimentos.

Caso contrário, uma utilização livre e desregulamentada poderia colocar em causa a integridade do mesmo e dos programas associados, integridade essa consubstanciada nos bens móveis (suportes de programas informáticos) como nos bens jurídicos, estes os direitos de autor e os direitos de uso de determinado programa informático, marca, patente e qualquer outro direito de propriedade intelectual ou industrial.

- Qualificação do contrato

Trata-se de um contrato inominado, de forma atípica, elaborado no âmbito da liberdade contratual, ou seja, "dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente os conteúdos dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos na lei e incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver, podendo ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios".

O contrato baseia-se na cedência de uso de direitos, em que estes, por sua vez, implicam a utilização de bens e implicam, necessariamente, a prestação de um serviço.

No entanto, o objecto, em si, do contrato é a cedência de direitos.

Deste modo, em princípio, estão preenchidos alguns elementos de vários tipos de contratos e obrigações, ou seja, a locação, o uso, usufruto, etc.

A legislação específica aplicável aos programas de computador ao considerar as formas admissíveis da transmissão e a distribuição destes produtos, utiliza indistintamente os conceitos de "aluguer" e "locação", definindo essa "transmissão" como "a colocação de um bem à disposição para utilização durante um período de tempo limitado e com benefícios comerciais directos ou indirectos", mas sem remeter directamente para as formas e conteúdos clássicos previstos na lei, introduzindo cláusulas específicas.

Esta utilização de conceitos e definições, bem como procedimentos de vários tipos contratuais justifica-se pela própria natureza informal, inovadora e imaterial dos bens em causa, protegidas e regulamentadas, em quase exclusividade pelos Direitos de Autor, pelo que se considera que estes constituem-se de razões de interesse geral que justificam restrições à livre circulação de mercadorias no espaço da União Europeia , podendo impor, neste caso concreto, novas formas de divulgação dos programas, ou seja, novas formas de negócio jurídico - contratos - em tudo o que se relacione com estes produtos.

Por isso, a regra é a autonomia contratual, em que as partes escolhem o regime que mais se adapta aos seus interesses, desde que não violem regras de carácter imperativo.

Por outro lado, existe um regime de cláusulas contratuais gerais que se estendem aos contratos individualizados sem possibilidade de influências dos destinatários, ou seja, nestes casos, dada a natureza específica dos produtos em causa e da importância e fragilidade dos direitos a proteger, existe uma quase equiparação aos contratos de adesão (onde o destinatário não pode modificar o clausulado).

Portanto, estamos portanto formas mistas de contratar e com produtos específicos, somente previstas e protegidas no âmbito do direito privado, não constituindo qualquer impedimento caso uma das partes seja uma entidade pública.

Segundo o n.º 1 do artigo 197.º do Código de Procedimento Administrativo, os órgãos administrativos podem celebrar contratos administrativos, salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer.

As entidades públicas estão sujeitas à livre escolha do contrato administrativo, podendo celebrar contratos de direito privado, excepto quando bem ou a forma é vinculativa.

A título de exemplo, a celebração de um contrato de concessão de serviço público não pode basear-se no princípio da livre utilização do contrato administrativo, não porque a forma "contrato administrativo" esteja afastada, mas pura e simplesmente porque, de acordo com o princípio da legalidade da Administração, o conteúdo de um tal contrato reclama uma habilitação legal específica, que não a administrativa.

Neste caso, a relação jurídica não tem de ser feita através de contrato administrativo porque o objecto não é exclusivo do direito administrativo.

No entanto, estando em causa uma entidade pública, sujeita a restrições e a vinculações decorrentes do facto de gerir dinheiros públicos e prosseguir interesses colectivos, podem e devem ser aplicadas normas de direito administrativo que salvaguardam a posição pública, e, consequentemente, a gestão de bens alheios.

Pelo que, neste caso, deve a Administração trazer à colação algumas normas de direito administrativo ínsitas no Decreto-Lei n.º 197/99 que institui o regime jurídico de realização de despesas públicas e da contratação pública relativa à locação e aquisição de bens móveis e serviços, adaptando-o à esta realidade.

Neste caso, e segundo o atrás exposto, estamos perante, sobretudo, uma locação, de direitos e bens diversos dos conceitos clássicos, e não perante uma aquisição.

Uma vez que o contrato atípico, mas exigido por lei, está já elaborado, naturalmente, restará apenas escolher o tipo de procedimento sobre o qual a Administração formalizará a decisão de contratar.

Uma vez que estão em causa motivos de aptidão técnica e artística e relativa à protecção de direitos exclusivos ou de direitos de autor, o que leva a que a locação só possa ser executada por um locador, será, obrigatoriamente, escolhido o ajuste directo, independentemente do valor, sem recurso a formalidades intermédias e sujeito a decisão final, sob a forma de adjudicação.

Obviamente não são adaptáveis nem aplicáveis a esta relação jurídica, pela sua própria natureza, as disposições relativas à concorrência, às formalidade que pressupõem a existência de diversos fornecedores/locadores/concorrentes, bem como de candidaturas e sua avaliação.

Por sua lado, poderão ser aplicáveis as disposições relativas à competência para autorizar a despesa decorrente da contratação, as exigências quanto à previsão de determinadas cláusulas contratuais (decorrentes dos princípios gerais de direito) e a exigência de caução (não é obrigatória).

NOTA PF: O PortalForense agradece a disponibilização deste texto pelo Dr. Hugo Daniel de Oliveira, originalmente disponibilizado na mailing list «Forlegis».