Portalforense | Recurso: Medida da Pena e Pena Acessória de Expulsão do País

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Recurso: Medida da Pena e Pena Acessória de Expulsão do País - Direito Penal e Processo Penal

Proc. n.º …

… Juízo Criminal

 

Exm.º Senhor

Juiz de Direito do

Tribunal Judicial de …

 

            …, arguido nos autos acima identificados, não se conformando com o douto acórdão proferido, dela vem interpor recurso para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, que subirá imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo – artigos 399º, 401º, n.º 1 b), 427º, 407º, n.º 1 a), 408º, 411º e 432º al. d), todos do Código de Processo Penal – para o que vem apresentar a sua Motivação.

 

Junta: Motivação e duplicados legais.

 

 

O Advogado,

 

-------x--------

Proc. n.º …

… Juízo Criminal

 

 

Venerandos Conselheiros do

Supremo Tribunal de Justiça

 

I – Objecto do Recurso:

 

            Vem o presente recurso interposto do aliás douto acórdão de fls. … e ss. proferido nos autos de processo comum com intervenção do tribunal colectivo acima identificados, que condenou o arguido … em:

 

a)     7 anos de prisão pela prática de um crime de detenção e transporte de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21, n.º 1 do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/01;

b)     1 ano de prisão, pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 275º, n.º 1 e art. 3º, n.º 1 al. a) do Dec. Lei n.º 207-A/75, de 17/04;

c)      Em cúmulo jurídico na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão.

 

No mesmo acórdão, além da condenação em custas, foi também o arguido condenado na pena acessória de expulsão do país pelo período de 10 anos, tendo ainda sido julgados perdidos a favor do Estado o veículo automóvel de matrícula …, pertencente ao arguido …, bem como a pistola apreendida.

 

Entende o arguido, ora recorrente, que, face à factualidade dada como provada em juízo e ao Direito aplicável, a pena aplicada revela-se pouco criteriosa e desequilibradamente doseada.

 

II- Dos factos:

 

            Como melhor consta do douto acórdão, ficou provado, entre outros factos, que:

-         no dia …., entre as … e as … os arguidos encontravam-se no interior da viatura automóvel de marca …, com a matrícula …, pertencente ao arguido ..., estacionado na estrada do …, na …, em …, nesta comarca de …;

-         nessa altura surgiram transportados em viaturas particulares, no exercício das suas funções, trajando à civil, cinco soldados da G.N.R. - identificados no douto acórdão -, todos a prestar serviço no posto da G.N.R. de Sacavém, que ao depararem com a viatura que se manteve estacionada cerca de meia hora, decidiram abordar os arguidos que se encontravam dentro da viatura;

-         os soldados da G.N.R., após se identificarem, solicitaram aos arguidos para saírem da viatura, o que aconteceu. Procederam então a uma primeira revista ao veículo tendo encontrado no chão do carro na parte de trás e por baixo do tapete uma pistola semi-automática, de calibre 7,65 mm, Browning (32 ACP), de marca … com o número de série 58366, fabricada em Espanha, em bom estado de funcionamento, sem qualquer problema que ocasione interrupções na sequência do automatismo, com percussões eficazes, bem como correcta actuação do sistema de segurança e três munições de calibre 7,65 mm Browning (32 ACP), mas de marca …, em perfeitas condições de utilização.

-         o arguido ..., pelo menos, tinha conhecimento que a referida arma ali se encontrava;

-         os arguidos e a viatura foram então conduzidos para o Posto da G.N.R. de Sacavém onde se procedeu a uma busca mais minuciosa ao veículo tendo sido encontrado pelo soldado da G.N.R. José Manuel Pires Ferreira, no seu interior, sob a consola, junto à alavanca das velocidades, um saco de plástico contendo heroína com o peso aproximado de 17,4 gramas, sendo o peso líquido de heroína de 15, 014 gramas;

-         a heroína é um produto que se encontra abrangido na tabela I-A - anexa ao Dec. Lei n.º 15/93, de 22/01;

-         o arguido ... tinha perfeita consciência que a detenção da arma supra referida bem como a detenção de heroína era proibida por lei e como tal punido. Actuou deliberada, livre e conscientemente;

-         o arguido ... é de nacionalidade cabo verdiana e encontra-se em Portugal desde 1990;

-         já foi condenado por uso e porte de arma proibida;

-         aufere, conforme declarou, o ordenado de … euros, como pedreiro;

-         é de modesta condição social;

-         declarou ainda ignorar a existência não só de heroína como da arma no seu veículo.

 

O Tribunal a quo deu ainda como provados os factos constantes de fls. …, referentes ao arguido …, que não se transcrevem por questões de economia processual e por não relevarem para a presente motivação.

 

 O Tribunal a quo fundamentou-se, na apreciação dos factos, na convicção formada pela confrontação das declarações prestadas pelos arguidos e depoimentos das testemunhas.

 

Estes os factos tidos como definitivamente assentes, uma vez que não ocorreu a documentação dos actos da audiência e que, salvo o devido respeito, parece não se vislumbrar dos mesmos a existências de qualquer um dos vícios a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal.

 

III- Do Direito:

 

A. Pena Principal

Com base nos facto provados, o Tribunal a quo formulou a sua convicção e decidiu.

            Na fixação da medida da pena é necessário, ordenar, relacionando-as, a culpa, a prevenção geral e a prevenção especial, tendo-se, para isso, em conta os quadros agravativos e atenuativos, sob pena de se frustrarem as finalidades da sanção, ou seja, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do arguido na sociedade.

            Ainda que se estranhe o facto de não ter sido submetido a julgamento um dos arguidos e de, sobre este, nada se ter provado ou não provado, o Tribunal a quo julgou bastante e suficiente a prova produzida para, desse modo, condenar na pena única, em cúmulo jurídico, de sete anos e seis meses de prisão o arguido ....

            Atentos os factos provados, e a esses teremos que nos reportar, há que valorar, para aferir e determinar a medida da pena, o grau de culpa do agente - devendo o facto ilícito ser valorado em função do seu efeito externo -, e, por outro lado, atender às necessidades de prevenção - cfr. artigo 71º do Código Penal.

            Na determinação da medida da pena há que, num primeiro momento, escolher o fim da pena, depois há que fixar os factores que influem no seu doseamento, tecendo-se, por fim, os considerandos que fundamentam a pena concreta aplicável. Aliás, "na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos das penas"  cfr. art. 71º, n.º 3.

            O Tribunal a quo violou, como segundo se demonstrará, o disposto no artigo 71º do Código Penal, por incorrecta e imprecisa aplicação.

            Considerando os escassos factos provados sobre as concretas circunstâncias da prática dos crimes, a ausência de quaisquer alusões ou considerações quer aos sentimentos manifestados no seu cometimento e os fins ou motivos que o determinaram - quer sobre a conduta anterior e posterior à prática dos factos, quer sobre a personalidade do agente, a sua integração social, as suas condições pessoais, nomeadamente familiares -, deverão pender a favor do arguido, seja por aplicação do princípio geral "in dubio pro reo", seja pelo facto da falta de fundamentos para penalizar o arguido.

            Na verdade, nada se sabe sobre se a prática dos crimes se reconduz a um acto isolado ou não... Afirmar que «o arguido ... actuou com considerável grau de ilicitude e intensidade do dolo» carece de fundamentação e de explicação, ainda para mais porque o Tribunal a quo parte da presunção de que sendo o veículo da propriedade do arguido ..., assim também seriam sua propriedade os estupefacientes e a arma.

            Com efeito, na factualidade provada não consta que o arguido ..., ou qualquer outro, tivesse conhecimento da existência dos estupefacientes sob a consola do veículo, sendo perfeitamente admissível - em sede de pura conjectura - que a mesma tivesse aí sido colocada pelo arguido que não foi submetido a julgamento.

            Ora, se os factos são prolixos e se pouco esclarecem sobre as circunstâncias concretas da prática dos crimes, especialmente do tráfico de estupefacientes, difícil será dosear e determinar uma pena concreta.

            Há que respeitar a livre apreciação da prova e a convicção do Tribunal, sem, contudo, se descurar o facto de assistir ao arguido o direito de exigir que o acórdão que determina a sua condenação - em especial a privação da sua liberdade - seja criteriosamente fundamentado e se sustente em factos que permitam, só por si, valorar o grau de ilicitude e a intensidade do dolo.

            Tal como não fundamentou, na perspectiva da defesa, a culpa do arguido, também descurou, o Tribunal a quo na determinação das exigências de prevenção, nomeadamente, as exigências de prevenção especial.

            Ao condenar o arguido em sete anos de prisão pela prática do crime de detenção e transporte de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º do Dec. Lei n.º 15/93, o Tribunal a quo violou, por conseguinte, o disposto no artigo 71º do Código Penal, traduzindo-se a pena aplicada numa pena demasiado severa, atenta a factualidade considerada e a inexistência de fundamentação da douta decisão.

 

            B. Pena Acessória

            No entanto, o douto acórdão recorrido vai mais longe: como pena acessória, impõe a expulsão do País ao arguido ... pelo período de 10 anos, nos termos dos artigos 68º, n.º 1 c), 69º e 73º do Dec. Lei n.º 59/93, de 03/03.

            O Tribunal a quo não fez quaisquer considerandos nem fundamentou minimamente a aplicação da pena acessória de expulsão do arguido, pena esta que poderá ser tão ou mais gravosa do que a pena limitativa da liberdade do arguido, pois que não se sabe se este é casado, se tem filhos, apenas se sabendo que é de "modesta condição social".

            Ao determinar a expulsão por 10 anos, o Tribunal a quo aplicou a pena máxima abstractamente aplicável, atento o disposto no artigo 34º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/01.

            Ora, uma vez mais o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 71º do Código Penal, doseando descriteriosamente a medida da pena concretamente aplicável, abstendo-se de tecer quaisquer considerações que fundamentem minimamente a sua decisão.

            Entende-se, pois, que a aplicação de uma pena só em último caso - in extremis -, deve atingir a pena máxima abstractamente aplicável, sendo certo que, no caso concreto, estamos longe de ter como provada a prática de factos que justifiquem a aplicação da pena da expulsão, muito menos poderemos julgar aceitável que esta, a ser aplicada, atinja o limite máximo permitido por lei.

            Nem a culpa do agente, nem as exigências de prevenção - atenta a factualidade provada - indicam a necessidade da aplicação da pena acessória. Aliás, esta pena é de aplicação meramente facultativa, apenas devendo ser aplicada quando especiais razões justifiquem a sua aplicação, devendo esta ser sempre fundamentada, cumprindo ao julgador demonstrar que aquela concreta expulsão se justifica, só assim se observando o princípio de direito criminal da individualização das penas.

            Por imposição constitucional, "nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos" - art. 30, n.º 4 da C.R.P., daí que seja necessário que a decisão de expulsão - que não opera automaticamente -, seja convenientemente fundamentada.

            Deste modo, a expulsão só pode ser decretada se for justificada.

            O Tribunal a quo não a justifica!

            Mais: aplica a pena concreta de expulsão no limite máximo legalmente previsto, sem que qualquer motivo aponte para uma tal fixação.

            Devemos ter presente, nesta orientação, o douto acórdão do STJ, de 1996-06-12 (in CJ - STJ 1996, Tomo II, pag. 197):

                "Para decidir se o estrangeiro deve ou não se expulso com base no artigo 34º do Dec. Lei n.º 15/93, é utilizável o critério do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que, garantindo o direito ao respeito da vida privada e familiar e reconhecendo que incumbe aos Estados assegurar a ordem pública, em particular o exercício do seu direito de controlar a entrada e permanência de estrangeiros, atenda à gravidade das sanções penais aplicadas e aos antecedentes criminais, na medida do necessário numa sociedade democrática e preservando o justo equilíbrio entre esses interesses em confronto".

            "Por isso, qualquer decisão neste domínio pressupõe que seja respeitado um justo equilíbrio entre os interesses em confronto, a saber o direito do requerente ao respeito da sua vida privada e familiar e a protecção da ordem pública e a prevenção de infracções penais".

            Ora, a factualidade provada não revela uma necessidade social imperiosa - nem, muito menos, a  indicia -, de expulsão do arguido .... E mais: a ausência de factos sobre a sua vida privada e social não podem pender contra o arguido, antes pelo contrário.

            Atentos os factos provados não se vislumbra a necessidade de determinar a expulsão do arguido ....

 

            C. Perda de instrumentos

            Por fim, o douto acórdão recorrido julgou ainda perdido a favor do Estado o veículo automóvel apreendido, de matrícula …, pertencente ao arguido ..., bem como a pistola apreendida.

            No que respeita ao automóvel declarado perdido a favor do Estado, o ora recorrente manifesta a sua discordância com a douta decisão, uma vez que o veículo apreendido não revela especial susceptibilidade de, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, pôr em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública ou, doutro modo, oferecer sério risco de ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.

            Refira-se nesta senda, e a título meramente exemplificativo, o Acórdão do STJ de 96-07-03 (in CJ_STJ 1996, Tomo II, pag. 211):

            "II- São de declarar perdidos a favor do Estado os objectos que serviram ou estivessem destinados a servir de instrumento causal da prática do facto ilícito típico, quando, por sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas ou a ordem pública, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.

III- O crime de transporte de estupefacientes pode ter como instrumento causal um veículo automóvel quando o mesmo é necessário para o transporte do estupefaciente, considerados os elevados volume e peso da droga ou a urgência da operação.

IV - Se, porém, o veículo é utilizado como meio de transporte de pessoas, as quais, porventura, detém na sua posse quantidades de droga facilmente transportáveis por outro meio, incluindo o pedestre, então o veículo automóvel não é instrumento causal daquele crime, não devendo, por conseguinte, ser declarada a sua perda a favor do Estado".

            No caso sub judice, o veículo apreendido era utilizado como meio de transporte de pessoas e, por outro lado, a quantia de heroína apreendida era susceptível de ser facilmente transportada de outro modo, inclusivamente dentro do bolso de um blusão, numa pasta ou numa simples carteira de bolso.

            Estatui o artigo 109º do Código Penal que "são declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico", ou seja, um objecto só é considerado instrumento do crime quando deu causa ou estava destinado a dar causa a um facto ilícito típico - causa instrumental. A sua existência deverá relevar na execução do crime, de tal forma que, sem ele, a respectiva consumação não seria possível ou, que nas circunstâncias do facto, se tornaria de muito mais difícil consumação (neste sentido vd. tb. Ac. STJ de 16-09-93, in CJ, Ano I, Tomo III, pag. 207).

            A redacção do artigo 35º do Dec. Lei n.º 15/93 aproxima-se do disposto no Código Penal no seu artigo 109º, n.º 1 e, desse modo, a expressão "objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção" tem o significado restrito de instrumentos causais do facto ilícito típico.

            Não se provando ou sequer indiciando o contrário, e atendendo à descrição dos factos circunstanciais da prática do crime em análise, poder-se-á dizer que o veículo de matrícula JC-94-73 serviu apenas como meio de transporte pessoal dos arguidos, não tendo qualquer influência causal sobre a prática do crime.

            O Tribunal  a quo violou, assim, o disposto no artigo 35º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 15/93, pelo que deve ser ordenada a restituição do veículo ao seu proprietário - o arguido ....

 

III- Conclusões:

 

            1ª- As penas parcelares impostas ao ora recorrente são excessivas e devem ser reduzidas para medidas que se aproximam dos respectivos limites mínimos.

 

            2ª- A pena única resultante do cúmulo jurídico deverá, consequentemente, ser reformada e substancialmente reduzida.

 

            3ª- O douto acórdão deverá ser revogado na parte em que decretou a pena acessória de expulsão do país.

 

            4ª- A não ser assim, deverá aquela pena acessória ser reduzida ao limite mínimo legal.

 

            5ª- O douto acórdão deverá ser revogado na parte em que declarou a perda do veículo de matrícula … a favor do Estado, decidindo-se a restituição do mesmo a seu dono.

 

            6ª- Foram, assim, violados os artigos 71º do Código Penal, 34º, n.º 1, 35º, ambos do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/01, assim como foi desrespeitado o disposto no artigo 30º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

 

NESTES TERMOS,

 

            e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta,

 

            assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

 

O Advogado,